02/01/2009

Amarrado numa cama

Enquanto eu estava deitado na mesma posição de sempre - de costas - no que parecia ser uma cama em um barraco de favela, Deus estava preparando pessoas que eu não conhecia para me darem um novo lar. Minha avó, que cuidava de mim, morrera poucos dias antes e minha mão vivia nas ruas e parecia não ter condições de cuidar do filho que trouxe ao mundo.

Para evitar que eu caísse da cama, ela amarrava minha perna com uma cordinha, um pouco abaixo do joelho, e quatro anos assim foi tempo suficiente para a corda deixar uma marca em minha pele. Eu estava com quatro anos de idade e tinha um irmãozinho de dois, mas ele sabia se virar bem, ora comendo algo que encontrava no chão ou no lixo, ora dormindo no barraco de algum vizinho. O problema era que eu não podia me virar. Nem na cama, nem em qualquer lugar. Estava preso a um corpo que não me obedecia.

Me esqueci de contar que nasci com paralisia cerebral, catarata congênita e outros probleminhas mais. Deve ter sido um parto difícil, pois nasci em um hospital, coisa rara entre as crianças do lugar onde morava. Ficar numa cama sem mudar de posição durante quatro anos fizeram com que meu crânio ficasse mais achatado na parte de trás.

Como a cama devia ser afundada no centro, minha coluna também ficou um pouco vergada. Por não fazer exercícios, meus pés se deformaram, os tendões ficaram curtos e acabei ficando mais incapacitado do que quando nasci, tudo por falta de cuidados. Já pensou quantas crianças estão vivendo hoje assim?

Enquanto isso, a mais de mil quilômetros dali Deus preparava novos pais para mim. Eles já tinham conversado a respeito de adotarem uma criança, principalmente depois de papai ter lido a matéria na revista que mexeu muito com ele. A nova mamãe também ficaria sensibilizada com aquilo.

Então aconteceu algo engraçado. Os dois chegaram à conclusão de que havia muita criança saudável no mundo e muitos pais que dariam preferência a crianças saudáveis e sem deficiências. Então meus novos pais decidiram que procurariam adotar uma criança deficiente. Quer dizer, eles não procurariam.

Não procurariam porque não iriam atrás, não moveriam uma palha para me encontrar ou a alguém como eu. Iriam simplesmente esperar e orar. Decidiram que não iriam contar pra ninguém, não iriam procurar nenhuma instituição, não iriam perguntar, nadinha. Esperar e orar. Engraçado, né? Será que isso iria funcionar?

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