21/01/2009

Voce so enxerga com os olhos?

Não sei se já contei que todo mundo achava que eu era deficiente auditivo também, além de deficiente visual e ter paralisia cerebral. Essa era a informação que meus novos pais tinham recebido quando decidiram me adotar, porque foi isso que minha antiga mãe disse à Maria, a amiga de meus pais que me trouxe até eles.

Imagine só! Em quatro anos minha mãe natural nunca percebeu que eu era capaz de ouvir. Acho que ela perguntava se eu ouvia e, como eu não falava, concluiu que eu era surdo também. Pode uma coisa dessas?

Para meus novos pais foi um alívio descobrir que eu reagia a ruídos, mas o médico que me examinou ligando um montão de fios em minha cabeça, eu tinha um problema no nervo que conduz o sinal do ouvido ao cérebro. No dia da consulta o médico ficou discutindo com meu pai. O médico afirmava que eu não ouvia e meu pai dizia que ouvia. Um não conseguiu convencer o outro, porque o médico, ao invés de se basear na observação, ficava preso ao que o aparelho dizia.

Bom, a verdade é que talvez eu possa ter algum problema de freqüência na audição, pois há estações de rádio que me irritam e eu logo coloco as mãos nos ouvidos em desespero. Mas, fora isso, eu sou capaz de ouvir até o barulho de um copo d'água ser enchido, pois começo a dizer "Ah! Ah! Ah!" que quer dizer "Água" em meu idioma. Quem me conhece me entende.

O engraçado de tudo isso, é que tem uma pergunta que as pessoas fazem que até virou piada em minha família. É assim: quando alguém me conhece pela primeira vez, fica um pouquinho impressionado com meu estilo que é um pouco diferente. Então, na avaliação que deve fazer mentalmente, a pessoa fica tentando encontrar algum prêmio de consolação que possa me dar. Aí acabam fazendo a pergunta que já virou clichê: "Mas ele ouve, não?"

Quando ficam sabendo que sou capaz de ouvir, parecem ter aquele alívio de quem considera que meu caso poderia ser pior. Mas, e se não ouvisse? Isso não mudaria o que sou, mas apenas a forma de me comunicar com o exterior. Hellen Keller foi um exemplo da capacidade que existia por detrás de um corpo cego e surdo que, por isso, era considerado incapaz de pensar como uma pessoa normal. No entanto, ela está na lista das pessoas que maior influência tiveram sobre nossa sociedade.

Por isso, quando encontrar um deficiente físico ou mental, não vá logo tirando suas conclusões achando que a pessoa é o corpo que a carrega. Seria o mesmo que achar que o perfume é bom só porque o frasco é bonito. O corpo é o frasco que pode estar todo torto e estragado, mas sempre existe um perfume preciosíssimo dentro dele.

Ensine seus filhos a enxergarem além do que podem ver. A entenderem que existe um ser humano muito especial mesmo dentro de um corpo como o meu, que nem sempre obedece meus comandos ou é incapaz de se comunicar com o exterior. Se os seus filhos não aprenderem isso, acabarão valorizando só o que os olhos vêem e, quando você ficar velho, acharão que é descartável. E você não é, como eu também não sou. Cada um de nós é um perfume caríssimo, mas que só pode ser apreciado por pessoas com muito tato e olfato. Você é uma delas?

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