01/02/2009

Eu nao sou gabriela

Se você leu minha mensagem anterior, viu que aprendi a ficar sentado do jeito mais difícil. Às vezes meus pais precisaram ficar bravos comigo para não permitir que eu fizesse minha própria vontade, que era continuar minha vidinha deitado de papo para o ar, sem usar as mãos, sem ficar sentado ou incapaz de fazer muitas coisas que aprendi. Vamos rever a lição?

Muito bem, primeiro foram os limites. Eu era cheio de manias que me prejudicavam e foi preciso acabar com elas. Por exemplo, vomitar na pessoa que me pegava no colo. Era algo provocado. Era só alguém me pegar e eu começava a esfregar a língua na garganta para engasgar, tossir e botar tudo pra fora no peito de quem me carregava.

Também vivia esfregando a mão no queixo em um movimento rítmico que ia se espalhando pelo corpo e logo eu estava todo chacoalhando, como se estivesse em transe ou tendo algum ataque. No início meus novos pais ficaram preocupados, mas logo descobriram que era eu quem provocava aquilo, algo como um mantra que me levava para um mundo interior, desligando-me da realidade. Será que autismo é assim?

Não sei. Só sei que alguns tapinhas de leve na mão quando eu começava a esfregá-la no queixo, acompanhados de uma bronca nada leve, foram um santo remédio. Nunca mais virei no avesso tentando me esconder dentro daquele transe maluco. Portanto, lembre-se: limites são necessários.

O que mais? Treinamento. É, muito do que aprendemos vem de um treinamento criterioso, mas sempre acompanhado de estímulos positivos de amor e correção de rumo. Treinar significa sair de uma condição de comodidade e vencer novos desafios. Atletas vivem fazendo isso e se os seus treinadores não forçassem até o limite, eles jamais seriam o que são.

Quer mais dicas? Meus novos pais também deixaram que eu mesmo crescesse. Houve momentos em que eles sabiam que eu precisaria de ajuda, mas deliberadamente deixaram que eu me virasse, pois só assim eu poderia crescer.

Dou um exemplo. Se continuassem me carregando no colo, eu jamais teria aprendido a engatinhar, que é como me movimento pela casa hoje. Por isso é preciso evitar a superproteção e deixar que a criança vença sozinha as dificuldades. Crianças especiais nem sempre precisam que alguém faça tudo por elas. Também somos capazes de vencer nossos próprios limites, como qualquer outra pessoa.

Acho que nem preciso falar que tudo isso foi feito com muito amor e carinho. Mesmo quando algumas ações de meus pais causassem algum desconforto e me deixassem bravo, eles também estavam com um coração apertado lá dentro do peito. Já pensou um pai que vê o filho doente e se recusa a permitir que lhe apliquem uma injeção porque vai doer? Não seria amor.

Recebi a mesma educação que meus novos irmãos e, guardadas as limitações, ninguém em casa me tratou como um coitado. Crianças especiais não estão por aí para serem tratadas com um sentimento piegas de dó, mas como pessoas normais. Dó e pena só geram autocomiseração e dependência. Crianças criadas assim acabam vivendo sempre cantando aquela música, "Ninguém me ama, ninguém me quer". E acabam se afogando num rio de lágrimas de autopiedade.

A letra da música diz: "Eu nasci assim eu cresci assim e sou mesmo assim, vou ser sempre assim, Gabri-é-é-la, sempre Gabriela". Eu, porém, posso mudar. Não sou Gabriela!

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