Quando minha avó encontrava alguém que não falava português ela começava a falar bem alto, achando que a pessoa ia ouvir. Aí meu avô precisava intervir: "Ruth, não precisa gritar que ela não é surda, ela só não fala português".
Já ouviu falar de discriminação benigna? Nem eu, inventei agora. Mas acho que existe uma discriminação benigna, isto é, pessoas que não entendem os portadores de necessidades especiais e os discriminam, mas com boa intenção. Querem só ajudar.
Quem me vê acha que em casa sou carregado de um lado para o outro. Não sou. Eu engatinho, por isso ninguém precisa me carregar. Meu pai colocou barrinhas nas paredes nos banheiros e na copa para eu ficar de pé. Eu engatinho até elas, porque já decorei onde estão, fico de joelhos, agarro a barrinha e fico em pé. Aí eu consigo tirar a calça e a cueca e sentar no vaso sanitário segurando na barrinha só com uma mão.
- Manhê! Veja, sem uma mão!
Faço o mesmo para me sentar na cadeira de banho e na cadeira da copa para almoçar, só que neste caso eu não tiro a calça, é óbvio. Também sei me sentar sozinho na cadeira de rodas, mas quando o assunto é cadeira eu preciso que alguém a coloque na posição, ou acabo sentado no chão. Da cadeira de rodas eu consigo segurar na porta aberta do carro, ficar em pé e sentar no assento.
Eu também sei fazer outras coisas, como segurar meu copo de plástico para beber água, ou a colher para comer de um prato fundo. Sei assoar o nariz (alguém precisa tapar uma narina para mim), e também consigo subir e descer de sofás e poltronas. Tomar banho, vestir a roupa, limpar o bumbum... bem, aí sim eu preciso que alguém faça tudo isso para mim.
Acho que muitos portadores de deficiência teriam uma vida melhor se fossem menos paparicados pelos pais. Alguns morrem de dó do filho e nem tentam descobrir se ele é capaz de fazer alguma coisa. Outros sabem que o filho é capaz, mas preferem fazer porque o filho demora muito. Não estão ajudando nem um pouco...
Mas eu falava da discriminação benigna, que são pessoas que tratam deficientes como se fossem inúteis inválidos, mas com boa intenção. Uma moça, que é paraplégica e cadeirante escreveu para este blog, contou que quando vai ao restaurante com a mãe o garçom só fala com a mãe, nunca com ela.
- O que a menina vai comer? A menina vai beber alguma coisa? A menina terminou?
Tirando o problema das pernas, ela é uma pessoa inteligente e capaz, mas o garçom acha que qualquer pessoa numa cadeira de rodas é um vegetal. E tem gente que acha que cadeirante é mendigo. Vou explicar.
Estou até preocupado de meu pai decidir parar de trabalhar e ganhar a vida às minhas custas. É que ontem estávamos no supermercado e ele se afastou um pouco para pegar umas coisas. Eu fiquei sozinho em minha cadeira de rodas, mas de longe meu pai estava de olho em mim.
Ele viu quando uma velhinha se aproximou de mim, abriu a bolsa, tirou uma moeda e colocou na minha mão. Depois foi embora. Meu pai viu tudo, mas achou melhor não interferir. Tenho um palpite de que ele vai arranjar um chapéu e me levar para a praça. Só falta!
18/02/2010
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