Prometi contar como aprendi a ficar sentado. Imagine só que eu já estava com 4 anos de idade e na família onde nasci ninguém ainda tinha se preocupado em me fazer sentar. Passei meus 4 primeiros anos deitado, e mesmo assim, só de costas.
Quando cheguei em meu novo lar minha nova família tinha outras prioridades, como me salvar de uma subnutrição que deixou minha vida por um fio, além das verminoses, doenças de pele, piolhos e tudo o que você puder imaginar existir como resultado de ignorância e maus tratos. Sentar só fui aprender depois de segurar meu chocalho.
No começo eu vomitava só de ficar numa nova posição. O jeito foi me acostumar, no colo e depois no carrinho de bebê com cadeirinha que compraram para mim. Mesmo no carrinho eu mais parecia um travesseiro sentado, caindo para um lado ou para o outro. Precisaram colocar uma cinta me amarrando no encosto.
Quando meus pais viram que não havia nada de errado com minha coluna, perceberam que o que eu tinha mesmo era medo daquela nova posição ou então malandragem de não querer sair da estabilidade horizontal. Então meu pai decidiu ir pelo caminho mais doloroso para mim e para ele. Em mim doía no corpo; nele doía no coração.
Ele me colocava sentado sobre o carpete da sala e imediatamente eu agarrava minhas orelhas em sinal de pavor e me jogava para trás com o corpo estirado. Parecia uma lâmina de aço que alguém entortava e queria voltar ao seu estado original. No começo meu pai me segurava para eu não me arrebentar, mas depois me colocava próximo à parede. Em minha "esticada" eu não conseguia ir muito longe e batia com as costas na parede.
Muito malandro, comecei a me jogar para os lados, só que meu pai, ao invés de me amparar com as mãos, decidiu me amparar com um bastãozinho de plástico. Aí eu ficava apoiado na ponta daquele bastãozinho, o que não era nada agradável para minhas costelas. Então me jogava para o outro lado, só pare encontrar outro bastãozinho me esperando.
Aprendi que me jogar para trás ou para os lados significava dor e foi assim que aprendi a ficar sentadinho. A lição que aprendi é que crianças especiais também precisam de disciplina, como qualquer outra criança. Alguns acham que basta falar, mas isso nem sempre resolve. Na vida aprendemos que existem limites e alguns são bem desagradáveis.
Há pessoas especiais que se tornaram incontroláveis porque foram deixadas para fazer sua própria vontade, geralmente com a desculpa de que gerar algum desconforto ou dor no aprendizado é falta de amor. A Bíblia ensina o contrário: "Porque o Senhor corrige o que ama, E açoita a qualquer que recebe por filho." Hebreus 12:6 "Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara, nem por isso morrerá." Provérbios 23:13.
Se um dia eu tiver um cachorrinho, vai se chamar Pavlov.
31/01/2009
30/01/2009
Ali Babou e os Quarenta Lambeu
Até hoje o único significado para a palavra "babá" que conhecia era quando tomava alguma bronca do tipo: "Pedro, pára de babá!" Eh! Eh! É que tenho o péssimo hábito de ir juntando saliva na boca como se fosse camelo armazenando água para atravessar o deserto. Aí, se ninguém diz para eu engolir, ou eu babo ou me engasgo. Mas agora ganhei uma babá de verdade.
Ela começou ontem e vai ficar só comigo a tarde toda. Ela chega, me ajuda a fazer exercícios, a andar numas barras paralelas que foram instaladas no terraço do apartamento e depois me leva em minha cadeira de rodas tomar um sol lá no térreo. Tudo isso conversando o tempo todo comigo! Fiquei tão entusiasmado que acabei fazendo xixi no sofá...
Depois voltamos, e ela fica brincando comigo, conversando e inventando coisas para me distrair até chegar a hora do banho e do jantar. Estou super contente, porque antes ninguém tinha o tempo todo para me dar atenção. É que o pessoal em minha família ainda não perdeu o costume de estudar ou trabalhar. Ninguém ainda aprendeu a viver como eu, de papo pro ar!
Aliás era de papo pro ar que eu queria ficar quando cheguei neste novo lar aos quatro anos de idade. Depois de ficar meus primeiros anos deitado numa cama, ninguém conseguia me convencer a ficar em outra posição. Achavam até que minha coluna não era resistente para eu ficar sentado. Verdade, eu era meio mole, mas de molecagem.
Já contei que aprendi a usar minhas mãos e a segurar quando me deram um chocalho. Agarrava nele e ficava balançando o dia todo, para desespero de quem ainda não tinha ficado surdo aqui em casa. Mas foi assim que aprendi a segurar as coisas e depois seguraria a colher para comer ou meu ursinho para brincar. Sim, você está esperando eu explicar como aprendi a ficar sentado, né? Bom, fica para a próxima. Daqui a pouco chega minha babá e é bom eu esperar por ela. Sem babar.
Ela começou ontem e vai ficar só comigo a tarde toda. Ela chega, me ajuda a fazer exercícios, a andar numas barras paralelas que foram instaladas no terraço do apartamento e depois me leva em minha cadeira de rodas tomar um sol lá no térreo. Tudo isso conversando o tempo todo comigo! Fiquei tão entusiasmado que acabei fazendo xixi no sofá...
Depois voltamos, e ela fica brincando comigo, conversando e inventando coisas para me distrair até chegar a hora do banho e do jantar. Estou super contente, porque antes ninguém tinha o tempo todo para me dar atenção. É que o pessoal em minha família ainda não perdeu o costume de estudar ou trabalhar. Ninguém ainda aprendeu a viver como eu, de papo pro ar!
Aliás era de papo pro ar que eu queria ficar quando cheguei neste novo lar aos quatro anos de idade. Depois de ficar meus primeiros anos deitado numa cama, ninguém conseguia me convencer a ficar em outra posição. Achavam até que minha coluna não era resistente para eu ficar sentado. Verdade, eu era meio mole, mas de molecagem.
Já contei que aprendi a usar minhas mãos e a segurar quando me deram um chocalho. Agarrava nele e ficava balançando o dia todo, para desespero de quem ainda não tinha ficado surdo aqui em casa. Mas foi assim que aprendi a segurar as coisas e depois seguraria a colher para comer ou meu ursinho para brincar. Sim, você está esperando eu explicar como aprendi a ficar sentado, né? Bom, fica para a próxima. Daqui a pouco chega minha babá e é bom eu esperar por ela. Sem babar.
29/01/2009
Ate eu vir busca-lo outra vez
Meu pai consegue ver quais as palavras que as pessoas procuraram no Google ou em outros sites de busca para chegarem até meu blog. É interessante descobrir o interesse das pessoas. Hoje passaram por aqui pessoas que fizeram buscas com frases como "adoção de crianças", "a primeira médica", "quero contar minha história", "criança especial" e até alguém que caiu de pára-quedas neste blog quando procurava "piscina para hidroterapia em cães"!
28/01/2009
Qual e sua missao?
Ontem meu pai assistiu o filme Simon Birch, de 1998, lançado no Brasil com o nome de "Pequeno Milagre". Ele conta a história de um garotinho deficiente físico que acreditava ter uma missão na vida. O filme é comovente e não vou estragar contando o final. Mas é muito bonito ver a atuação do ator-mirim que também é deficiente físico.
O filme foi baseado no romance de John Irving, "A prayer for Owen Meany" e foge um pouco do livro, segundo comentários de quem leu. Mas o interessante é a visão que Simon Birch (o Owen Meany no filme) tem da vida e de sua razão de existência. Ele acredita que Deus o colocou ali com um propósito. Você acha o mesmo?
É difícil a gente aceitar isso, né? Principalmente quando se tem uma deficiência congênita ou causada por algum acidente. A primeira coisa que a gente faz é se revoltar e perguntar: "Por que eu?". No filme e Simon parece ter certeza absoluta de sua missão até que os adultos começam a duvidar disso. Aí ele também fica em dúvida.
Acho que uma das piores coisas que alguém pode fazer é atrapalhar a fé simples e sincera de uma criança. Papai costuma contar a história de uma cidadezinha onde não chovia a meses. As pessoas decidiram subir a uma montanha para fazer orações a Deus pedindo chuva. Subiram num sol escaldante e todos zombando de uma pequena garotinha que era a única que levou um guarda-chuva. Na volta, era a única que estava seca.
Simon Birch tem um amigo com o qual sempre se entende. Os dois são unha e carne, embora Simon tenha menos de um metro de altura em razão de suas deficiências. Seu amigo tem a altura normal para um menino de 13 anos, mas tem lá suas deficiências também. A que mais lhe aflige é não ter um pai, pelo menos um que conheça, pois é filho de mãe solteira. Isto o leva a se identificar ainda mais com Simon porque ele sabe o que é ser rejeitado pela sociedade e sofrer discriminação. Mas tem Alguém que foi muito mais discriminado, mais do que qualquer um. Estou falando de Jesus:
"Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum." Isaías 53:3
Há vários filmes representando deficientes físicos e a maneira como cada um encara suas deficiências e até mesmo a importância delas em uma sociedade onde ainda há muita gente que gostaria de esconder tudo o que não está de acordo com um padrão escultural grego de beleza e qualidade. Outro dia meu pai assistiu "De porta a porta" ("Door to Door"), e achou muito bom.
Outro lindo é "A força do amor" ("I am Sam"), com o ator Sean Penn que acaba de ganhar o Oscar, mas é bom preparar uma caixa de lenço de papel. Mais? Então assista "Simples como amar" ("The other sister"), ou "Aprendiz de sonhador" ("What´s Eating Gilbert Grape") ou "Sempre amigos" ("The mighty"). Se meu pai se lembrar de mais algum, ele indica aqui.
P.S. Ele encontrou mais alguns:
Meu Filho,Meu Mundo - James Farentino (autismo)
Experimentando a Vida - Elisabeth Shue (autismo)
Tommy - Roger Daltrey ( autismo)
Rain Man - Dustin Hofman ( autismo)
O enigma das cartas ( autismo).
O milagre de Anne Sulivann ( cegueira, surdez e mudez) (filme de colecionador).
Prisioneiro do Silêncio ( autismo, deficiência mental)
O Oleo de Lorenzo ( doença degenerativa)
Meu Adorável Professor ( surdez)
Meu Pé Esquerdo ( paralisia cerebral)
O filme foi baseado no romance de John Irving, "A prayer for Owen Meany" e foge um pouco do livro, segundo comentários de quem leu. Mas o interessante é a visão que Simon Birch (o Owen Meany no filme) tem da vida e de sua razão de existência. Ele acredita que Deus o colocou ali com um propósito. Você acha o mesmo?
É difícil a gente aceitar isso, né? Principalmente quando se tem uma deficiência congênita ou causada por algum acidente. A primeira coisa que a gente faz é se revoltar e perguntar: "Por que eu?". No filme e Simon parece ter certeza absoluta de sua missão até que os adultos começam a duvidar disso. Aí ele também fica em dúvida.
Acho que uma das piores coisas que alguém pode fazer é atrapalhar a fé simples e sincera de uma criança. Papai costuma contar a história de uma cidadezinha onde não chovia a meses. As pessoas decidiram subir a uma montanha para fazer orações a Deus pedindo chuva. Subiram num sol escaldante e todos zombando de uma pequena garotinha que era a única que levou um guarda-chuva. Na volta, era a única que estava seca.
Simon Birch tem um amigo com o qual sempre se entende. Os dois são unha e carne, embora Simon tenha menos de um metro de altura em razão de suas deficiências. Seu amigo tem a altura normal para um menino de 13 anos, mas tem lá suas deficiências também. A que mais lhe aflige é não ter um pai, pelo menos um que conheça, pois é filho de mãe solteira. Isto o leva a se identificar ainda mais com Simon porque ele sabe o que é ser rejeitado pela sociedade e sofrer discriminação. Mas tem Alguém que foi muito mais discriminado, mais do que qualquer um. Estou falando de Jesus:
"Era desprezado, e o mais rejeitado entre os homens, homem de dores, e experimentado nos trabalhos; e, como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum." Isaías 53:3
Há vários filmes representando deficientes físicos e a maneira como cada um encara suas deficiências e até mesmo a importância delas em uma sociedade onde ainda há muita gente que gostaria de esconder tudo o que não está de acordo com um padrão escultural grego de beleza e qualidade. Outro dia meu pai assistiu "De porta a porta" ("Door to Door"), e achou muito bom.
Outro lindo é "A força do amor" ("I am Sam"), com o ator Sean Penn que acaba de ganhar o Oscar, mas é bom preparar uma caixa de lenço de papel. Mais? Então assista "Simples como amar" ("The other sister"), ou "Aprendiz de sonhador" ("What´s Eating Gilbert Grape") ou "Sempre amigos" ("The mighty"). Se meu pai se lembrar de mais algum, ele indica aqui.
P.S. Ele encontrou mais alguns:
Meu Filho,Meu Mundo - James Farentino (autismo)
Experimentando a Vida - Elisabeth Shue (autismo)
Tommy - Roger Daltrey ( autismo)
Rain Man - Dustin Hofman ( autismo)
O enigma das cartas ( autismo).
O milagre de Anne Sulivann ( cegueira, surdez e mudez) (filme de colecionador).
Prisioneiro do Silêncio ( autismo, deficiência mental)
O Oleo de Lorenzo ( doença degenerativa)
Meu Adorável Professor ( surdez)
Meu Pé Esquerdo ( paralisia cerebral)
27/01/2009
Ao redor do coracao
Às vezes penso que alguém possa ficar incomodado com as descrições que faço aqui de minhas dificuldades físicas. Fico falando de genes, hormônios, escolioses, paralisias e tantas coisas desagradáveis que parece até um blog deprimente. Mas não é.
Quando você entende que nosso corpo é um envoltório, uma embalagem apenas, aí fica mais fácil lidar com essas coisas. Um dia minha embalagem vai ser descartada e eu vou morar com Deus até Ele me dar uma embalagem nova, não descartável e que não precisará nunca ser reciclada. Enquanto isso, vou vivendo aqui com esses defeitinhos da embalagem que não são nada comparados ao produto que vai dentro dela: um coração.
Veja que bonito este poema que meu pai leu em um livro. O engraçado é que a autora do livro é Lucinda Nogueira Persona, esposa de um primo que meu pai só deve ter conhecido quando era muito pequeno e nem se lembra mais. A Internet faz essas coisas e vai reunindo virtualmente famílias que por anos ficaram afastadas praticamente. Aqui vai este belíssimo poema da Lucinda Nogueira Persona que fala do corpo humano, mas sob uma perspectiva bem diferente:
Ao redor do coração
Sete horas da manhã.
Meio raquítico
enferrujado
o sol veio ao mundo.
A vida mal alcançou nossas juntas.
Estamos à mesa
sentados frente a frente
cara a cara
tanto faz.
Um pouco dobrados
à canga cósmica
máscara triste
sim
mas estamos aqui
entre nossas conchas cartilaginosas
atrás de nossos narizes
debaixo de nossos cabelos
ao redor do coração.
Nossa pele – como está séria!
Porém, dentro de nós,
rica em cálcio
e banhada em gordurosa luz,
a caveira sorri.
[Lucinda Nogueira Persona, do livro "Ser cotidiano", editora 7 Letras]
Quando você entende que nosso corpo é um envoltório, uma embalagem apenas, aí fica mais fácil lidar com essas coisas. Um dia minha embalagem vai ser descartada e eu vou morar com Deus até Ele me dar uma embalagem nova, não descartável e que não precisará nunca ser reciclada. Enquanto isso, vou vivendo aqui com esses defeitinhos da embalagem que não são nada comparados ao produto que vai dentro dela: um coração.
Veja que bonito este poema que meu pai leu em um livro. O engraçado é que a autora do livro é Lucinda Nogueira Persona, esposa de um primo que meu pai só deve ter conhecido quando era muito pequeno e nem se lembra mais. A Internet faz essas coisas e vai reunindo virtualmente famílias que por anos ficaram afastadas praticamente. Aqui vai este belíssimo poema da Lucinda Nogueira Persona que fala do corpo humano, mas sob uma perspectiva bem diferente:
Ao redor do coração
Sete horas da manhã.
Meio raquítico
enferrujado
o sol veio ao mundo.
A vida mal alcançou nossas juntas.
Estamos à mesa
sentados frente a frente
cara a cara
tanto faz.
Um pouco dobrados
à canga cósmica
máscara triste
sim
mas estamos aqui
entre nossas conchas cartilaginosas
atrás de nossos narizes
debaixo de nossos cabelos
ao redor do coração.
Nossa pele – como está séria!
Porém, dentro de nós,
rica em cálcio
e banhada em gordurosa luz,
a caveira sorri.
[Lucinda Nogueira Persona, do livro "Ser cotidiano", editora 7 Letras]
26/01/2009
A flor da pele
Até hoje eu não sei direito qual é o meu problema, apesar da batelada de exames a que fui submetido. Havia até uma suspeita de Síndrome de Lowe, mas não é isso que tenho. Todo mundo sabe que é algum treco genético raro, mas no final acaba sendo como alergia. Quando não se sabe o que é, basta dizer que tem alergia.
Meu problema parece estar à flor da pele. É difícil de acreditar, não é mesmo? O que a pele tem a ver com lesão cerebral, cegueira e outras coisinhas mais? As apostas começam a apontar para a Ictiose, uma doença de pele de origem genética que causa ressecamento e a descamação.
Eu já sabia que tinha Ictiose, mas não sabia do que ela é capaz. Veja só, ela é rara, está ligada ao Cromossomo X, só dá em homem, embora a mulher seja transmissora, e pode causar problemas de parto que, por sua vez, pode ocasionar falta de oxigenação no cérebro e deixar o bebê com alguma lesão, como a que tenho.
Tudo isso porque falta um negocinho chamado sulfatase de esteróides. Às vezes, quando os médicos sabem que existe a possibilidade do bebê ter herdado Ictiose de alguém da família, eles fazem o parto mais cedo por precaução.
Quer saber mais? Veja que danadinha que é essa doença de pele. Em 50% dos casos pode causar manchas brancas na córnea. Bem, eu nasci com catarata que é o cristalino branquinho, branquinho, e só fui operado quando fui adotado aos 4 anos.
Tarde demais. Já tinha afetado o desenvolvimento da visão que ocorre nos primeiros meses após o parto. Além disso tenho microftalmia, que são olhos pequenininhos. Mas não sei se isso tem a ver com a doença, porque as pesquisas só falam de problemas na córnea, que não sei se acontece comigo.
Em 20% dos casos os testículos não descem, como deveria acontecer nos primeiros anos de vida do menino. Quando não descem, eles podem acabar desaparecendo, absorvidos pelo corpo, como aconteceu comigo. Talvez isso tenha interrompido meu desenvolvimento antes de chegar à puberdade, pois hoje sou adulto mas tenho feições e corpo de menino, além de ausência de pelos no corpo.
A Ictiose pode afetar o sistema nervoso e causar retardo mental ou outras anormalidades neurológicas, apesar de ser uma conseqüência rara da doença. É claro que, se ocorrerem problemas no parto e ainda assim vier essa conseqüência rara no pacote, a pessoa pode acabar com sérias limitações. Acho que fui premiado...
Meu problema parece estar à flor da pele. É difícil de acreditar, não é mesmo? O que a pele tem a ver com lesão cerebral, cegueira e outras coisinhas mais? As apostas começam a apontar para a Ictiose, uma doença de pele de origem genética que causa ressecamento e a descamação.
Eu já sabia que tinha Ictiose, mas não sabia do que ela é capaz. Veja só, ela é rara, está ligada ao Cromossomo X, só dá em homem, embora a mulher seja transmissora, e pode causar problemas de parto que, por sua vez, pode ocasionar falta de oxigenação no cérebro e deixar o bebê com alguma lesão, como a que tenho.
Tudo isso porque falta um negocinho chamado sulfatase de esteróides. Às vezes, quando os médicos sabem que existe a possibilidade do bebê ter herdado Ictiose de alguém da família, eles fazem o parto mais cedo por precaução.
Quer saber mais? Veja que danadinha que é essa doença de pele. Em 50% dos casos pode causar manchas brancas na córnea. Bem, eu nasci com catarata que é o cristalino branquinho, branquinho, e só fui operado quando fui adotado aos 4 anos.
Tarde demais. Já tinha afetado o desenvolvimento da visão que ocorre nos primeiros meses após o parto. Além disso tenho microftalmia, que são olhos pequenininhos. Mas não sei se isso tem a ver com a doença, porque as pesquisas só falam de problemas na córnea, que não sei se acontece comigo.
Em 20% dos casos os testículos não descem, como deveria acontecer nos primeiros anos de vida do menino. Quando não descem, eles podem acabar desaparecendo, absorvidos pelo corpo, como aconteceu comigo. Talvez isso tenha interrompido meu desenvolvimento antes de chegar à puberdade, pois hoje sou adulto mas tenho feições e corpo de menino, além de ausência de pelos no corpo.
A Ictiose pode afetar o sistema nervoso e causar retardo mental ou outras anormalidades neurológicas, apesar de ser uma conseqüência rara da doença. É claro que, se ocorrerem problemas no parto e ainda assim vier essa conseqüência rara no pacote, a pessoa pode acabar com sérias limitações. Acho que fui premiado...
25/01/2009
Raridade
Meus exames ficaram prontos e já estão com o geneticista e com o urologista. Os retornos das consultas deve ocorrer em março, pois minha irmã está no exterior. Foi ela quem arrumou toda essa movimentação, inclusive com uma avaliação por um pesquisador da Unicamp. Viu como sou importante
Ainda sem um veredito dos médicos, uma coisa parece estar certa. A idéia de que a catarata congênita e os outros defeitos de fabricação fossem resultado de uma rubéola em minha mãe natural já ficou descartada, pois o exame de sangue para rubéola deu negativo. Acho que é assim que se interpreta
Minha irmã é muito xereta e também andou pesquisando na Internet para descobrir o que tenho, com base no que sabemos até agora dos exames. Ela encontrou um negócio chamado Síndrome de Lowe, uma deficiência rara que só ocorre em meninos. Tem um site sobre isso em http://www.lowesyndrome.org/ e lá diz que o problema é um gene defeituoso que resulta na falta de uma enzima chamada phosphatidylinositol 4,5-biphosphate. Comprida, né?
Ela é também chamada de Síndrome Óculo-Cerebro-Renal, por afetar essas áreas. Será que é isso que tenho? No mesmo site tem um manual para entender melhor a síndrome. Tirando o resto, meus rins parecem funcionar bem. Segundo o site, a expectativa de vida ainda não está bem definida pois há pessoas com idades de 30 a 40 anos vivendo com a síndrome e os médicos continuam pesquisando uma cura para isso. Da lista de sintomas, tenho a maioria:
Embora no site não fale nada, tenho uma ictiose de origem genética. Bom, agora é esperar pelo veredito do médico... Ah! Tem mais. Lá também diz que isso só acontece com meninos, mas que são pessoas de muito bom humor e que adoram música. Eu sou assim. Passo o dia todo sentado numa poltrona ao lado do computador de meu pai, que o deixa ligado numa estação de rádio na Internet que só toca jazz. Ele nunca me perguntou se eu gosto de jazz, mas acho que é o único tipo de música que existe, não é?
Ainda sem um veredito dos médicos, uma coisa parece estar certa. A idéia de que a catarata congênita e os outros defeitos de fabricação fossem resultado de uma rubéola em minha mãe natural já ficou descartada, pois o exame de sangue para rubéola deu negativo. Acho que é assim que se interpreta
Minha irmã é muito xereta e também andou pesquisando na Internet para descobrir o que tenho, com base no que sabemos até agora dos exames. Ela encontrou um negócio chamado Síndrome de Lowe, uma deficiência rara que só ocorre em meninos. Tem um site sobre isso em http://www.lowesyndrome.org/ e lá diz que o problema é um gene defeituoso que resulta na falta de uma enzima chamada phosphatidylinositol 4,5-biphosphate. Comprida, né?
Ela é também chamada de Síndrome Óculo-Cerebro-Renal, por afetar essas áreas. Será que é isso que tenho? No mesmo site tem um manual para entender melhor a síndrome. Tirando o resto, meus rins parecem funcionar bem. Segundo o site, a expectativa de vida ainda não está bem definida pois há pessoas com idades de 30 a 40 anos vivendo com a síndrome e os médicos continuam pesquisando uma cura para isso. Da lista de sintomas, tenho a maioria:
- Catarata - Sim
- Glaucoma - Não
- Pouco tônus muscular - Sim
- Coordenação motora ruim - Sim
- Retardo mental - Sim
- Desmaios - Não (ocorre em metade dos casos)
- Problemas de comportamento - Não (ocorre em alguns casos)
- Problemas renais - Não (pelo menos até agora)
- Baixa estatura - Sim
- Tendência a definhamento - Sim
- Tendência a fraturas ósseas - Sim
- Escoliose (desvio da coluna) - Sim
- Problemas nas juntas - Sim
Embora no site não fale nada, tenho uma ictiose de origem genética. Bom, agora é esperar pelo veredito do médico... Ah! Tem mais. Lá também diz que isso só acontece com meninos, mas que são pessoas de muito bom humor e que adoram música. Eu sou assim. Passo o dia todo sentado numa poltrona ao lado do computador de meu pai, que o deixa ligado numa estação de rádio na Internet que só toca jazz. Ele nunca me perguntou se eu gosto de jazz, mas acho que é o único tipo de música que existe, não é?
24/01/2009
Cadeira maneira
Muito legal a iniciativa do pessoal do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP. Como seria impossível eu fazer isso, meu pai preencheu um questionário para o projeto deles. Sabe qual é o projeto?
Desenvolver uma cadeira de rodas melhor do que as que existem por aí. Eu uso uma de alumínio modelo Aktiva Ultra-lite X da Ortobras, mas já tive outra antes, toda de ferro, pesada, horrível de fechar e colocar no porta-malas. Mas a que uso hoje é até muito legal, só que já devem ter aperfeiçoado algumas coisas desde que meu pai comprou.
Imagine só, já tenho esta há uns dez anos ou mais e está funcionando direitinho, exceto por algum desalinhamento do suporte para os pés. No questionário do projeto da USP meu pai deu algumas sugestões. Uma foi para indicar claramente onde as pessoas devem pegar quando querem ajudar a carregar alguém numa cadeira para, por exemplo, subir uma escada.
Acontece muito quando vou a algum lugar público onde o projeto não previa gente com dificuldades físicas. Restaurantes com escadas enormes, lojas com degraus intransponíveis, coisas assim. Aí sempre tem gente de boa vontade que se dispõe a ajudar meu pai a carregar a cadeira comigo escada acima. Só que aí a pessoa pega onde não deve.
Se pegar no apoio dos braços, ele sai, porque é só encaixado. Se pega no cano que entra dentro de outro na hora de fechar a cadeira, acaba com a mão suja de pó de alumínio que sempre fica por ali. Então meu pai tem que ser mais rápido do que o ajudante, para explicar onde segurar com segurança. No mais, a cadeira é muito boa, mas tenho outra quase nova guardada para quando esta pifar. Era do vovô, que usou pouco depois que teve derrame e antes de falecer.
Uma cadeira legal mesmo era fabricada em minha cidade, mas nunca mais ouvi falar dela. Descobri outra fábrica na Internet e a idéia é muito interessante. Com um acionamento de alavancas permite que um paraplégico fique em pé, porque a cadeira vai se esticando toda até a pessoa ficar numa posição meio inclinada, quase vertical. É claro que existem tiras de velcro que seguram as pernas e o corpo grudados à cadeira.
Isso ajuda principalmente para evitar escaras ou problemas renais, já que permite à bexiga funcionar melhor. Quem usa uma dessas é meu amigo Cristóvão e a cadeira permite até que ele trabalhe durante algum tempo em pé, pois mandou fazer uma adaptação colocando uma prancheta na frente que funciona como mesinha. Legal, né? Que bom que sempre tem gente inventando coisas para deixar nossa vida mais fácil.
Desenvolver uma cadeira de rodas melhor do que as que existem por aí. Eu uso uma de alumínio modelo Aktiva Ultra-lite X da Ortobras, mas já tive outra antes, toda de ferro, pesada, horrível de fechar e colocar no porta-malas. Mas a que uso hoje é até muito legal, só que já devem ter aperfeiçoado algumas coisas desde que meu pai comprou.
Imagine só, já tenho esta há uns dez anos ou mais e está funcionando direitinho, exceto por algum desalinhamento do suporte para os pés. No questionário do projeto da USP meu pai deu algumas sugestões. Uma foi para indicar claramente onde as pessoas devem pegar quando querem ajudar a carregar alguém numa cadeira para, por exemplo, subir uma escada.
Acontece muito quando vou a algum lugar público onde o projeto não previa gente com dificuldades físicas. Restaurantes com escadas enormes, lojas com degraus intransponíveis, coisas assim. Aí sempre tem gente de boa vontade que se dispõe a ajudar meu pai a carregar a cadeira comigo escada acima. Só que aí a pessoa pega onde não deve.
Se pegar no apoio dos braços, ele sai, porque é só encaixado. Se pega no cano que entra dentro de outro na hora de fechar a cadeira, acaba com a mão suja de pó de alumínio que sempre fica por ali. Então meu pai tem que ser mais rápido do que o ajudante, para explicar onde segurar com segurança. No mais, a cadeira é muito boa, mas tenho outra quase nova guardada para quando esta pifar. Era do vovô, que usou pouco depois que teve derrame e antes de falecer.
Uma cadeira legal mesmo era fabricada em minha cidade, mas nunca mais ouvi falar dela. Descobri outra fábrica na Internet e a idéia é muito interessante. Com um acionamento de alavancas permite que um paraplégico fique em pé, porque a cadeira vai se esticando toda até a pessoa ficar numa posição meio inclinada, quase vertical. É claro que existem tiras de velcro que seguram as pernas e o corpo grudados à cadeira.
Isso ajuda principalmente para evitar escaras ou problemas renais, já que permite à bexiga funcionar melhor. Quem usa uma dessas é meu amigo Cristóvão e a cadeira permite até que ele trabalhe durante algum tempo em pé, pois mandou fazer uma adaptação colocando uma prancheta na frente que funciona como mesinha. Legal, né? Que bom que sempre tem gente inventando coisas para deixar nossa vida mais fácil.
23/01/2009
My name is Pan – Peter Pan!
Hoje meu pai me levou a um laboratório de análises para tirar sangue. Programão para um sábado de manhã! Tudo bem, eu sei que é para descobrir qual é meu problema. Minha irmã, que é enfermeira, está fazendo um montão de consultas e exames. Para ela é uma questão de honra descobrir a razão de meus defeitinhos. A mocinha precisou me espetar duas vezes para achar minha veia, mas eu nem chorei.
O exame que fiz hoje é para saber se tive ou não rubéola, para ajudar a descobrir se tudo o que tenho são seqüelas. Mas os médicos já acham que não. Alguma coisa até podia ser, mas não tudo. Também vão verificar meu nível hormonal, pois aparentemente nasci sem os testículos, que produzem testosterona.
Além disso, semana que vem eu passo por um novo ultrasom. O primeiro foi há duas semanas, para confirmar que as bolinhas não estão onde deveriam estar, e agora vou fazer outro ultrasom para ver se meus testículos não ficaram dentro do corpo, isto é, não desceram. Quando isso acontece, existe o perigo de se desenvolver um câncer, por causa da temperatura do corpo.
Mas tudo indica que não vão encontrar nada por lá mesmo. É que o último médico que me examinou já disse que sou e sempre serei criança. Isso mesmo, tenho tudo de uma criança. As feições, o tamanho reduzido, a falta de pelos no rosto ou no corpo. É claro que não aparento a idade que tenho. Será que descobri a fonte da juventude?
A falta de hormônio masculino fez com que eu parasse no tempo e, apesar de estar hoje com 21 anos, nunca passei pela puberdade. Sou como o Peter Pan, só que não moro na Terra do Nunca e nem conheço o Capitão Gancho. Também não sei voar, pelo menos por enquanto, mas um dia vou conseguir e sem usar o pó de pirlimpimpim da fada Sininho. Se sou capaz de voar? Ainda não, mas vou conseguir. Qualquer hora eu conto, mas se quiser uma dica leia a história de um amigo meu, o Cristóvão, em "Pronto para a Corrida".
O exame que fiz hoje é para saber se tive ou não rubéola, para ajudar a descobrir se tudo o que tenho são seqüelas. Mas os médicos já acham que não. Alguma coisa até podia ser, mas não tudo. Também vão verificar meu nível hormonal, pois aparentemente nasci sem os testículos, que produzem testosterona.
Além disso, semana que vem eu passo por um novo ultrasom. O primeiro foi há duas semanas, para confirmar que as bolinhas não estão onde deveriam estar, e agora vou fazer outro ultrasom para ver se meus testículos não ficaram dentro do corpo, isto é, não desceram. Quando isso acontece, existe o perigo de se desenvolver um câncer, por causa da temperatura do corpo.
Mas tudo indica que não vão encontrar nada por lá mesmo. É que o último médico que me examinou já disse que sou e sempre serei criança. Isso mesmo, tenho tudo de uma criança. As feições, o tamanho reduzido, a falta de pelos no rosto ou no corpo. É claro que não aparento a idade que tenho. Será que descobri a fonte da juventude?
A falta de hormônio masculino fez com que eu parasse no tempo e, apesar de estar hoje com 21 anos, nunca passei pela puberdade. Sou como o Peter Pan, só que não moro na Terra do Nunca e nem conheço o Capitão Gancho. Também não sei voar, pelo menos por enquanto, mas um dia vou conseguir e sem usar o pó de pirlimpimpim da fada Sininho. Se sou capaz de voar? Ainda não, mas vou conseguir. Qualquer hora eu conto, mas se quiser uma dica leia a história de um amigo meu, o Cristóvão, em "Pronto para a Corrida".
22/01/2009
Meu pequeno polegar
Meus primeiros dias na nova família foram passados como eu já vivia antes: deitado numa cama e batendo uma mão na outra, e a outra sob o queixo, num movimento que mais parecia um espasmo. Mas aquela folga estava para acabar. Alguém decidiu que eu iria aprender a segurar.'
Foi quando arranjaram um chocalho para mim e colocaram em minha mão. Uma vez, duas vezes, três vezes, mil vezes, sei lá! Demorou mas eu entendi que se segurasse aquilo, seria capaz de produzir um som interessante que me distraía daquela vida monótona.
Foi assim que aprendi a segurar e o resto da família aprendeu a conviver com o barulho do chocalho horas seguidas. Eu sou assim. Uma vez que comece a fazer alguma coisa, vou repetindo sempre o mesmo movimento ou som até alguém mandar parar. Tenho um comportamento metódico que deve ser conseqüência de meus problemas.
Esqueci-me de dizer que não seguro as coisas como todo mundo. A paralisia cerebral deixa algumas seqüelas engraçadas, como a que acontece com o polegar. Imagine o guidão de uma bicicleta. Imaginou? Agora pense como você o segura. Pensou? Ok, quatro dedos ficam sobre o guidão e o dedão, o polegar, dá a volta em sentido contrário, né?
Pois é assim que todo mundo segura as coisas, sempre tendo o dedão como o cara que é do contra. Se os quatro dedos vão numa direção, o dedão vai na outra. Assim se opondo, ele faz a mão se fechar como um gancho, bem firme. Eu tinha que ser diferente! Meu dedão é o maior companheiro dos outros dedos, por isso se eu segurasse um guidão -- o que não faço porque não sei andar de bicicleta -- você veria meus quatro dedos sobre o guidão e o polegar também. Resumindo, eu acabo segurando só com os quatro.
Tem mais coisas que só eu sei fazer e você não, mas acho que esta já lhe dá uma idéia de minhas diferenças. Até hoje ninguém descobriu exatamente o que aconteceu comigo. Pensavam que fosse rubéola em minha mãe natural durante a gravidez, mas parece que nem rubéola consegue fazer tanto estrago. Deve ser genético, é o que ouço dizer. Será que sou transgênico?! Era só o que faltava!
Foi quando arranjaram um chocalho para mim e colocaram em minha mão. Uma vez, duas vezes, três vezes, mil vezes, sei lá! Demorou mas eu entendi que se segurasse aquilo, seria capaz de produzir um som interessante que me distraía daquela vida monótona.
Foi assim que aprendi a segurar e o resto da família aprendeu a conviver com o barulho do chocalho horas seguidas. Eu sou assim. Uma vez que comece a fazer alguma coisa, vou repetindo sempre o mesmo movimento ou som até alguém mandar parar. Tenho um comportamento metódico que deve ser conseqüência de meus problemas.
Esqueci-me de dizer que não seguro as coisas como todo mundo. A paralisia cerebral deixa algumas seqüelas engraçadas, como a que acontece com o polegar. Imagine o guidão de uma bicicleta. Imaginou? Agora pense como você o segura. Pensou? Ok, quatro dedos ficam sobre o guidão e o dedão, o polegar, dá a volta em sentido contrário, né?
Pois é assim que todo mundo segura as coisas, sempre tendo o dedão como o cara que é do contra. Se os quatro dedos vão numa direção, o dedão vai na outra. Assim se opondo, ele faz a mão se fechar como um gancho, bem firme. Eu tinha que ser diferente! Meu dedão é o maior companheiro dos outros dedos, por isso se eu segurasse um guidão -- o que não faço porque não sei andar de bicicleta -- você veria meus quatro dedos sobre o guidão e o polegar também. Resumindo, eu acabo segurando só com os quatro.
Tem mais coisas que só eu sei fazer e você não, mas acho que esta já lhe dá uma idéia de minhas diferenças. Até hoje ninguém descobriu exatamente o que aconteceu comigo. Pensavam que fosse rubéola em minha mãe natural durante a gravidez, mas parece que nem rubéola consegue fazer tanto estrago. Deve ser genético, é o que ouço dizer. Será que sou transgênico?! Era só o que faltava!
21/01/2009
Voce so enxerga com os olhos?
Não sei se já contei que todo mundo achava que eu era deficiente auditivo também, além de deficiente visual e ter paralisia cerebral. Essa era a informação que meus novos pais tinham recebido quando decidiram me adotar, porque foi isso que minha antiga mãe disse à Maria, a amiga de meus pais que me trouxe até eles.
Imagine só! Em quatro anos minha mãe natural nunca percebeu que eu era capaz de ouvir. Acho que ela perguntava se eu ouvia e, como eu não falava, concluiu que eu era surdo também. Pode uma coisa dessas?
Para meus novos pais foi um alívio descobrir que eu reagia a ruídos, mas o médico que me examinou ligando um montão de fios em minha cabeça, eu tinha um problema no nervo que conduz o sinal do ouvido ao cérebro. No dia da consulta o médico ficou discutindo com meu pai. O médico afirmava que eu não ouvia e meu pai dizia que ouvia. Um não conseguiu convencer o outro, porque o médico, ao invés de se basear na observação, ficava preso ao que o aparelho dizia.
Bom, a verdade é que talvez eu possa ter algum problema de freqüência na audição, pois há estações de rádio que me irritam e eu logo coloco as mãos nos ouvidos em desespero. Mas, fora isso, eu sou capaz de ouvir até o barulho de um copo d'água ser enchido, pois começo a dizer "Ah! Ah! Ah!" que quer dizer "Água" em meu idioma. Quem me conhece me entende.
O engraçado de tudo isso, é que tem uma pergunta que as pessoas fazem que até virou piada em minha família. É assim: quando alguém me conhece pela primeira vez, fica um pouquinho impressionado com meu estilo que é um pouco diferente. Então, na avaliação que deve fazer mentalmente, a pessoa fica tentando encontrar algum prêmio de consolação que possa me dar. Aí acabam fazendo a pergunta que já virou clichê: "Mas ele ouve, não?"
Quando ficam sabendo que sou capaz de ouvir, parecem ter aquele alívio de quem considera que meu caso poderia ser pior. Mas, e se não ouvisse? Isso não mudaria o que sou, mas apenas a forma de me comunicar com o exterior. Hellen Keller foi um exemplo da capacidade que existia por detrás de um corpo cego e surdo que, por isso, era considerado incapaz de pensar como uma pessoa normal. No entanto, ela está na lista das pessoas que maior influência tiveram sobre nossa sociedade.
Por isso, quando encontrar um deficiente físico ou mental, não vá logo tirando suas conclusões achando que a pessoa é o corpo que a carrega. Seria o mesmo que achar que o perfume é bom só porque o frasco é bonito. O corpo é o frasco que pode estar todo torto e estragado, mas sempre existe um perfume preciosíssimo dentro dele.
Ensine seus filhos a enxergarem além do que podem ver. A entenderem que existe um ser humano muito especial mesmo dentro de um corpo como o meu, que nem sempre obedece meus comandos ou é incapaz de se comunicar com o exterior. Se os seus filhos não aprenderem isso, acabarão valorizando só o que os olhos vêem e, quando você ficar velho, acharão que é descartável. E você não é, como eu também não sou. Cada um de nós é um perfume caríssimo, mas que só pode ser apreciado por pessoas com muito tato e olfato. Você é uma delas?
Imagine só! Em quatro anos minha mãe natural nunca percebeu que eu era capaz de ouvir. Acho que ela perguntava se eu ouvia e, como eu não falava, concluiu que eu era surdo também. Pode uma coisa dessas?
Para meus novos pais foi um alívio descobrir que eu reagia a ruídos, mas o médico que me examinou ligando um montão de fios em minha cabeça, eu tinha um problema no nervo que conduz o sinal do ouvido ao cérebro. No dia da consulta o médico ficou discutindo com meu pai. O médico afirmava que eu não ouvia e meu pai dizia que ouvia. Um não conseguiu convencer o outro, porque o médico, ao invés de se basear na observação, ficava preso ao que o aparelho dizia.
Bom, a verdade é que talvez eu possa ter algum problema de freqüência na audição, pois há estações de rádio que me irritam e eu logo coloco as mãos nos ouvidos em desespero. Mas, fora isso, eu sou capaz de ouvir até o barulho de um copo d'água ser enchido, pois começo a dizer "Ah! Ah! Ah!" que quer dizer "Água" em meu idioma. Quem me conhece me entende.
O engraçado de tudo isso, é que tem uma pergunta que as pessoas fazem que até virou piada em minha família. É assim: quando alguém me conhece pela primeira vez, fica um pouquinho impressionado com meu estilo que é um pouco diferente. Então, na avaliação que deve fazer mentalmente, a pessoa fica tentando encontrar algum prêmio de consolação que possa me dar. Aí acabam fazendo a pergunta que já virou clichê: "Mas ele ouve, não?"
Quando ficam sabendo que sou capaz de ouvir, parecem ter aquele alívio de quem considera que meu caso poderia ser pior. Mas, e se não ouvisse? Isso não mudaria o que sou, mas apenas a forma de me comunicar com o exterior. Hellen Keller foi um exemplo da capacidade que existia por detrás de um corpo cego e surdo que, por isso, era considerado incapaz de pensar como uma pessoa normal. No entanto, ela está na lista das pessoas que maior influência tiveram sobre nossa sociedade.
Por isso, quando encontrar um deficiente físico ou mental, não vá logo tirando suas conclusões achando que a pessoa é o corpo que a carrega. Seria o mesmo que achar que o perfume é bom só porque o frasco é bonito. O corpo é o frasco que pode estar todo torto e estragado, mas sempre existe um perfume preciosíssimo dentro dele.
Ensine seus filhos a enxergarem além do que podem ver. A entenderem que existe um ser humano muito especial mesmo dentro de um corpo como o meu, que nem sempre obedece meus comandos ou é incapaz de se comunicar com o exterior. Se os seus filhos não aprenderem isso, acabarão valorizando só o que os olhos vêem e, quando você ficar velho, acharão que é descartável. E você não é, como eu também não sou. Cada um de nós é um perfume caríssimo, mas que só pode ser apreciado por pessoas com muito tato e olfato. Você é uma delas?
20/01/2009
De fugitivo a principe
Tá bom, tá bom, eu conto a história de Mefibosete. Eu tinha prometido, mas sempre surgia algum assunto e a história ia ficando para trás. Mas agora vou contar. Mas para entendê-la, você precisa saber que o Rei Davi odiava deficientes físicos. Surpreso?
Verdade. Se você não acredita em mim, pegue sua Bíblia e leia 2 Samuel 5:6-8. Está tudo lá, e é justamente este detalhe que deixa a história de Mefibosete ainda mais bonita. Mefibosete era o nome de um menino, filho de Jônatas, o melhor amigo de Davi. Jônatas morreu com seu pai, Saul, que foi rei de Israel há mais de três mil anos.
Quando a notícia da morte de Jônatas e Saul numa batalha chegou à cidade, a babá de Mefibosete quis fugir desesperada, como todos estavam fazendo. Ninguém sabia qual seria a sorte dos que ficassem, agora que o rei tinha morrido. Principalmente os parentes do rei, que costumavam ser os primeiros a serem perseguidos quando um reino caía.
Na pressa, ela perdeu o equilíbrio e derrubou Mefibosete, o garoto de 5 anos de idade que trazia no colo. Mefibosete quebrou feio os dois pés e, como naquele tempo ninguém tinha plano de saúde e nem nada, os ossos acabaram se unindo do jeito que ficaram, deixando Mefibosete incapacitado de andar.
Pode imaginar a vida que teve esse menino, deficiente físico e fugindo durante anos, com medo de ser encontrado e morto pelo novo rei. A auto-estima de Mefibosete era tão baixa, que ele se considerava um cachorro morto. Ele próprio achava que era alguém com quem não valia a pena perder tempo. O próprio nome "Mefibosete" significa "coisa vergonhosa". Mas isso foi só até o novo rei ficar sabendo que o garoto estava vivo.
Acontece que o novo rei era Davi, muito amigo de Jônatas, pai de Mefibosete e queria fazer o bem a quem tivesse sobrado da família de Jônatas. Quando Mefibosete foi levado para o palácio do rei, nem imaginava para quê seria. Será que sairia vivo dali?
Qual não foi sua surpresa ao saber que não voltaria mais para casa. Quero dizer, não voltaria mais para almoçar, jantar ou comer qualquer refeição. Porque a partir daquele dia Mefibosete teria cadeira cativa na mesa do rei, sendo tratado como se fosse um príncipe, um filho do Rei Davi.
Mas Davi não odiava os deficientes físicos? Bem, sim e não. Como muita coisa no Antigo Testamento da Bíblia também é cheia de simbolismo, é preciso entender que Davi simboliza o Rei Jesus. Este odeia realmente a deficiência, mas ama muito o deficiente. E os convida a crer nEle para se tornarem verdadeiros filhos de Deus, com cadeira cativa na presença do Rei.
E os pés de Mefibosete? Oras, a mesa real cobria qualquer deficiência, colocando todas as pessoas em um mesmo nível. Assim faz o amor de Deus. Assim devemos nós fazer também.
Verdade. Se você não acredita em mim, pegue sua Bíblia e leia 2 Samuel 5:6-8. Está tudo lá, e é justamente este detalhe que deixa a história de Mefibosete ainda mais bonita. Mefibosete era o nome de um menino, filho de Jônatas, o melhor amigo de Davi. Jônatas morreu com seu pai, Saul, que foi rei de Israel há mais de três mil anos.
Quando a notícia da morte de Jônatas e Saul numa batalha chegou à cidade, a babá de Mefibosete quis fugir desesperada, como todos estavam fazendo. Ninguém sabia qual seria a sorte dos que ficassem, agora que o rei tinha morrido. Principalmente os parentes do rei, que costumavam ser os primeiros a serem perseguidos quando um reino caía.
Na pressa, ela perdeu o equilíbrio e derrubou Mefibosete, o garoto de 5 anos de idade que trazia no colo. Mefibosete quebrou feio os dois pés e, como naquele tempo ninguém tinha plano de saúde e nem nada, os ossos acabaram se unindo do jeito que ficaram, deixando Mefibosete incapacitado de andar.
Pode imaginar a vida que teve esse menino, deficiente físico e fugindo durante anos, com medo de ser encontrado e morto pelo novo rei. A auto-estima de Mefibosete era tão baixa, que ele se considerava um cachorro morto. Ele próprio achava que era alguém com quem não valia a pena perder tempo. O próprio nome "Mefibosete" significa "coisa vergonhosa". Mas isso foi só até o novo rei ficar sabendo que o garoto estava vivo.
Acontece que o novo rei era Davi, muito amigo de Jônatas, pai de Mefibosete e queria fazer o bem a quem tivesse sobrado da família de Jônatas. Quando Mefibosete foi levado para o palácio do rei, nem imaginava para quê seria. Será que sairia vivo dali?
Qual não foi sua surpresa ao saber que não voltaria mais para casa. Quero dizer, não voltaria mais para almoçar, jantar ou comer qualquer refeição. Porque a partir daquele dia Mefibosete teria cadeira cativa na mesa do rei, sendo tratado como se fosse um príncipe, um filho do Rei Davi.
Mas Davi não odiava os deficientes físicos? Bem, sim e não. Como muita coisa no Antigo Testamento da Bíblia também é cheia de simbolismo, é preciso entender que Davi simboliza o Rei Jesus. Este odeia realmente a deficiência, mas ama muito o deficiente. E os convida a crer nEle para se tornarem verdadeiros filhos de Deus, com cadeira cativa na presença do Rei.
E os pés de Mefibosete? Oras, a mesa real cobria qualquer deficiência, colocando todas as pessoas em um mesmo nível. Assim faz o amor de Deus. Assim devemos nós fazer também.
19/01/2009
Voce nao e deficiente? E sim!
Hoje o assunto está pra lá de sério. Eu falava das pessoas que escondem filhos deficientes. Acho até que alguns pais acabam desistindo de tanta rejeição que existe por aí. Preferem deixar os filhos em casa a ter que enfrentar olhares que só servem para tirar a casquinha da ferida.
Mas eu acho mesmo que os que rejeitam ou segregam são pessoas que se acham perfeitas, ou que não querem ser lembradas de suas imperfeições. Ou querem fugir da realidade. Ei, cara! Acorda, vai? A vida não é tão cor-de-rosa quanto pintam e este mundo não é a Disneylândia que gostaríamos que fosse.
Sabe que tem quem ache que as imperfeições devem ser escondidas ou separadas do resto da sociedade? Hitler pensava assim. A verdade é que todas as pessoas são deficientes em alguma área. Você também.
Alguns são deficientes físicos, outros mentais, outros emocionais. Quem não é? O problema é que aqueles que não percebem suas deficiências menos visíveis acabam desprezando os que possuem deficiências mais visíveis. Chamam a estes - e só a estes - de inválidos! Oras, vejam só...
É pena, porque descobrir sua invalidez é uma excelente oportunidade para duas coisas: conhecer-se a si mesmo e conhecer a Deus. Sabe que tem uma história na Bíblia onde Deus fez um homem ficar inválido ou deficiente físico? Não, ainda não vou contar a história de Mefibosete que prometi. Esta fica para a próxima. Vou contar a de Jacó.
Pois é, Jacó era o tipo de cara espertinho, desses que gostam de levar vantagem em tudo. Se tivesse nascido hoje teria se chamado Gérson. Mas Deus gostava demais de Jacó para deixá-lo nesse caminho de auto-suficiência, teimosia e obstinação. Era preciso colocar um freio naquilo.
Então, certa noite o Senhor veio e lutou com Jacó e o deixou coxo de uma das pernas. Aquilo foi a reviravolta em sua vida. Até o nome de Jacó Deus mudou, passando a chamá-lo de Israel! A história toda você encontra na Bíblia, em Gênesis 32:24-32 ou um comentário aqui.
A partir daquele dia, cada vez que Jacó mancava ele sabia que aquilo era um lembrete de que era Deus Quem estava no comando. Uma deficiência física foi necessária para tratar de uma deficiência de coração. Todos nós temos esse tipo de deficiência. Rebeldia, auto-piedade, amargura são apenas alguns dos sintomas.
Jacó era assim, mas quando o Senhor tocou o nervo de sua coxa, ele se agarrou ao Senhor e disse: "Não Te deixarei ir se não me abençoares". Foi só perder seu apoio natural, e lá estava ele recorrendo a Deus! É, foi uma bela puxada de tapete!
Mas Deus não o decepcionou. Foi só quando Jacó se achou inválido que descobriu o que realmente é válido, o que realmente tem valor. Se depois de ler você descobriu que é deficiente, já é um bom começo. Depois eu conto a história de Mefibosete.
Mas eu acho mesmo que os que rejeitam ou segregam são pessoas que se acham perfeitas, ou que não querem ser lembradas de suas imperfeições. Ou querem fugir da realidade. Ei, cara! Acorda, vai? A vida não é tão cor-de-rosa quanto pintam e este mundo não é a Disneylândia que gostaríamos que fosse.
Sabe que tem quem ache que as imperfeições devem ser escondidas ou separadas do resto da sociedade? Hitler pensava assim. A verdade é que todas as pessoas são deficientes em alguma área. Você também.
Alguns são deficientes físicos, outros mentais, outros emocionais. Quem não é? O problema é que aqueles que não percebem suas deficiências menos visíveis acabam desprezando os que possuem deficiências mais visíveis. Chamam a estes - e só a estes - de inválidos! Oras, vejam só...
É pena, porque descobrir sua invalidez é uma excelente oportunidade para duas coisas: conhecer-se a si mesmo e conhecer a Deus. Sabe que tem uma história na Bíblia onde Deus fez um homem ficar inválido ou deficiente físico? Não, ainda não vou contar a história de Mefibosete que prometi. Esta fica para a próxima. Vou contar a de Jacó.
Pois é, Jacó era o tipo de cara espertinho, desses que gostam de levar vantagem em tudo. Se tivesse nascido hoje teria se chamado Gérson. Mas Deus gostava demais de Jacó para deixá-lo nesse caminho de auto-suficiência, teimosia e obstinação. Era preciso colocar um freio naquilo.
Então, certa noite o Senhor veio e lutou com Jacó e o deixou coxo de uma das pernas. Aquilo foi a reviravolta em sua vida. Até o nome de Jacó Deus mudou, passando a chamá-lo de Israel! A história toda você encontra na Bíblia, em Gênesis 32:24-32 ou um comentário aqui.
A partir daquele dia, cada vez que Jacó mancava ele sabia que aquilo era um lembrete de que era Deus Quem estava no comando. Uma deficiência física foi necessária para tratar de uma deficiência de coração. Todos nós temos esse tipo de deficiência. Rebeldia, auto-piedade, amargura são apenas alguns dos sintomas.
Jacó era assim, mas quando o Senhor tocou o nervo de sua coxa, ele se agarrou ao Senhor e disse: "Não Te deixarei ir se não me abençoares". Foi só perder seu apoio natural, e lá estava ele recorrendo a Deus! É, foi uma bela puxada de tapete!
Mas Deus não o decepcionou. Foi só quando Jacó se achou inválido que descobriu o que realmente é válido, o que realmente tem valor. Se depois de ler você descobriu que é deficiente, já é um bom começo. Depois eu conto a história de Mefibosete.
18/01/2009
Criancas ocultas
Isso me faz lembrar de uma história que um amigo de meu pai contou. Ele estava no estacionamento de um supermercado quando viu um homem abrir o porta-malas de um carro para colocar as compras. Dentro do porta-malas havia uma caixa de plástico com uma criancinha dentro. A criança tinha Síndrome de Down e era transportada pelo pai no porta-malas. Pode uma coisa dessas?
Mas papai já ouviu histórias de crianças bem tratadas, porém discriminadas pela própria família. Há muitos anos um casalsinho de gêmeos especiais -- acho que tinham Síndrome de Down -- foi tratado por uma família rica como prisioneiros da própria mansão em que moravam. Os pais construíram uma casinha nos fundos e lá essas crianças viviam, cuidadas por enfermeira, cozinheira e tudo mais. Tudo bem, tinham um serviço cinco estrelas, mas não eram filhos. Os pais se envergonhavam das crianças, que jamais eram vistas. Muitos amigos da família nem mesmo sabiam que elas existiam.
Que diferença esse comportamento daquele que o Senhor Jesus ensinou. Quando Ele foi convidado para uma festa, percebeu que muitos dos que estavam ali adoravam aparecer. Então ficava aquela rasgação de seda, de um bajulando o outro pelo que era ou pelo que tinha. Para dar uma lição, o Senhor disse assim:
"Quando deres um jantar, ou uma ceia, não chames os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem vizinhos ricos, para que não suceda que também eles te tornem a convidar, e te seja isso recompensado. Mas, quando fizeres convite, chama os pobres, aleijados, mancos e cegos, e serás bem-aventurado; porque eles não têm com que to recompensar; mas recompensado te será na ressurreição dos justos." (Lucas 14:12-14)
O Senhor Jesus ama as pessoas especiais de uma maneira também especial. Ele me ama e Ele ama você como o Rei Davi amou Mefibosete. Que nome estranho, né? Quem era Mefibosete? Vou contar da próxima vez que escrever. Mas posso dizer desde já que ele era uma criança especial como eu. Ah! Tenho mais uma novidade: estou de mudança para casa nova, digo, blog novo. Na verdade é tudo igual, só que vai ficar hospedado em um domínio do papai. Assim vai ficar melhor e mais rápido para ele colocar meus textos. Eu aviso assim que tiver o endereço, tá? Este aqui continua no ar sim, e vou manter os dois atualizados por algum tempo até meus amigos acostumarem.
Mas papai já ouviu histórias de crianças bem tratadas, porém discriminadas pela própria família. Há muitos anos um casalsinho de gêmeos especiais -- acho que tinham Síndrome de Down -- foi tratado por uma família rica como prisioneiros da própria mansão em que moravam. Os pais construíram uma casinha nos fundos e lá essas crianças viviam, cuidadas por enfermeira, cozinheira e tudo mais. Tudo bem, tinham um serviço cinco estrelas, mas não eram filhos. Os pais se envergonhavam das crianças, que jamais eram vistas. Muitos amigos da família nem mesmo sabiam que elas existiam.
Que diferença esse comportamento daquele que o Senhor Jesus ensinou. Quando Ele foi convidado para uma festa, percebeu que muitos dos que estavam ali adoravam aparecer. Então ficava aquela rasgação de seda, de um bajulando o outro pelo que era ou pelo que tinha. Para dar uma lição, o Senhor disse assim:
"Quando deres um jantar, ou uma ceia, não chames os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem vizinhos ricos, para que não suceda que também eles te tornem a convidar, e te seja isso recompensado. Mas, quando fizeres convite, chama os pobres, aleijados, mancos e cegos, e serás bem-aventurado; porque eles não têm com que to recompensar; mas recompensado te será na ressurreição dos justos." (Lucas 14:12-14)
O Senhor Jesus ama as pessoas especiais de uma maneira também especial. Ele me ama e Ele ama você como o Rei Davi amou Mefibosete. Que nome estranho, né? Quem era Mefibosete? Vou contar da próxima vez que escrever. Mas posso dizer desde já que ele era uma criança especial como eu. Ah! Tenho mais uma novidade: estou de mudança para casa nova, digo, blog novo. Na verdade é tudo igual, só que vai ficar hospedado em um domínio do papai. Assim vai ficar melhor e mais rápido para ele colocar meus textos. Eu aviso assim que tiver o endereço, tá? Este aqui continua no ar sim, e vou manter os dois atualizados por algum tempo até meus amigos acostumarem.
17/01/2009
O fim da mamata
A primeira coisa que meus novos pais precisaram me ensinar foi disciplina. Aos quatro anos de idade, eu era um bichinho do mato e trazia uma porção de vícios por causa do abandono. Por exemplo, não gostava que tocassem em mim. Se alguém punha a mão em mim eu dava uns guinchos como gato bravo e vomitava. Era minha defesa.
Também pudera, né? Como iria ser diferente para alguém que nunca teve carinho e viveu largado numa cama imunda com a perna amarrada com uma cordinha para não cair? A médica que me examinou disse que até a formação de meu crânio -- chato atrás -- era de alguém que nunca saiu da posição de costas por todos aqueles anos. E a curvatura de minha espinha fazia de mim uma verdadeira gangorra, se deitado numa superfície plana. A cama onde me deixaram nos primeiros quatro anos de minha vida devia estar afundada no meio. Até hoje sou meio corcunda.
Tem mais: eu não usava as mãos para segurar, só para ficar com elas encolhidas sob o queixo, batendo uma delas no queixo o tempo todo como se estivesse em transe e fizesse aquilo por espasmo. Quer mais? Eu também não ficava sentado. Pelo jeito nunca tinham me colocado nesta posição, pois era só alguém me colocar sentado e eu gritava, guinchava, me esticava todo para voltar à posição horizontal e -- para desespero de meus novos pais -- vomitava.
Depois de tentarem de tudo, eles resolveram ir pelo caminho natural. Decidiram que me criariam exatamente da mesma maneira que criaram meus irmãozinhos. Quando fizesse birra -- e sei fazer birra! -- levaria umas palmadinhas como qualquer criança amada. Eu sei que para alguns pais isso pode parecer estranho, mas meus pais criaram a mim e a meus irmãozinhos assim e funcionou direitinho. Eles seguiram o que diz a Bíblia em Provérbios 29:15: "A vara e a repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe."
É claro que ninguém iria me espancar com uma vara ou machucar. Longe deles tal idéia. Mas iriam seguir um velho ditado que diz que o caminho mais curto para o cérebro de uma criança passa pelo bumbum. Esse tipo de educação com disciplina eles aprenderam com um livro de um psicólogo chamado James Dobson, "Ouse Disciplinar". Funcionou para meus irmãos e funcionaria para mim.
Meus pais decidiram que não teriam pena de mim, ninguém em casa me chamaria de coitado ou me consideraria diferente. É claro que respeitariam minhas limitações, mas eu seria criado como meus dois irmãos. Ninguém iria fazer drama a meu respeito, ou me esconder da sociedade como fazem muitas famílias que têm filhos especiais. Famílias que têm medo de incomodar os outros ou até vergonha de mostrar o filho que têm. Se existe isso? Muito! Mas vou contar da próxima vez.
Também pudera, né? Como iria ser diferente para alguém que nunca teve carinho e viveu largado numa cama imunda com a perna amarrada com uma cordinha para não cair? A médica que me examinou disse que até a formação de meu crânio -- chato atrás -- era de alguém que nunca saiu da posição de costas por todos aqueles anos. E a curvatura de minha espinha fazia de mim uma verdadeira gangorra, se deitado numa superfície plana. A cama onde me deixaram nos primeiros quatro anos de minha vida devia estar afundada no meio. Até hoje sou meio corcunda.
Tem mais: eu não usava as mãos para segurar, só para ficar com elas encolhidas sob o queixo, batendo uma delas no queixo o tempo todo como se estivesse em transe e fizesse aquilo por espasmo. Quer mais? Eu também não ficava sentado. Pelo jeito nunca tinham me colocado nesta posição, pois era só alguém me colocar sentado e eu gritava, guinchava, me esticava todo para voltar à posição horizontal e -- para desespero de meus novos pais -- vomitava.
Depois de tentarem de tudo, eles resolveram ir pelo caminho natural. Decidiram que me criariam exatamente da mesma maneira que criaram meus irmãozinhos. Quando fizesse birra -- e sei fazer birra! -- levaria umas palmadinhas como qualquer criança amada. Eu sei que para alguns pais isso pode parecer estranho, mas meus pais criaram a mim e a meus irmãozinhos assim e funcionou direitinho. Eles seguiram o que diz a Bíblia em Provérbios 29:15: "A vara e a repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma, envergonha a sua mãe."
É claro que ninguém iria me espancar com uma vara ou machucar. Longe deles tal idéia. Mas iriam seguir um velho ditado que diz que o caminho mais curto para o cérebro de uma criança passa pelo bumbum. Esse tipo de educação com disciplina eles aprenderam com um livro de um psicólogo chamado James Dobson, "Ouse Disciplinar". Funcionou para meus irmãos e funcionaria para mim.
Meus pais decidiram que não teriam pena de mim, ninguém em casa me chamaria de coitado ou me consideraria diferente. É claro que respeitariam minhas limitações, mas eu seria criado como meus dois irmãos. Ninguém iria fazer drama a meu respeito, ou me esconder da sociedade como fazem muitas famílias que têm filhos especiais. Famílias que têm medo de incomodar os outros ou até vergonha de mostrar o filho que têm. Se existe isso? Muito! Mas vou contar da próxima vez.
16/01/2009
Pra nao jogar conversa fora
A irmã de um portador de necessidades especiais enviou um comentário sobre este blog e meu pai até enviou um e-mail para ela agradecendo e explicando um pouco do meu funcionamento nessa coisa de comunicação. É meio complicado, mas acho que vou conseguir repetir aqui o que papai contou para ela.
Ele disse que eu não sei falar. Bem, pelo menos papai pensa assim, mas a verdade é que eu fico na minha. Ele explicou também que minha comunicação com a família é basicamente por meio de expressão corporal. Lá em casa todo mundo sabe que quando eu faço um "Aaaaaa" é porque quero água.
"Antá" é a palavra que uso para pedir para cantar, algo que aprendi com uma senhora que trabalhou em casa. Ela ficava cantando "Parabéns prá você" e "Atirei um pau no gato" para mim o dia todo enquanto limpava a casa, e quando ela parava eu dizia "Antá! Antá!". Veja bem que tem um acento no "á", senão vai ficar "anta", né?
Acho que este é quase todo o meu vocabulário por palavras. Como sou meio preguiçoso, resolvi botar a família que adotei para trabalhar e eles tiveram que aprender a ler minhas expressões, estado de humor, os gestos, tudo para entenderem o que quero dizer. Depois de 17 anos nesta família -- eu cheguei quando estava com quatro anos -- até que eles já ficaram bem craques nisso. Ao contrário do que eu pensava, minha família até que consegue aprender as coisas.
Mas eu gosto mesmo é de uma boa conversa, de pessoas que ficam falando comigo. Geralmente conversam comigo enquanto eu tomo banho. É uma conversa banal, do tipo, "Pedro, cadê a Lia? Ué, a Lia não veio hoje? Então o que você vai fazer quando o Lucas chegar?" A conversa não tem muitos objetivos além de mostrar para mim que tem alguém interessado em mim. Por isso eu respondo do jeito que posso, com um som parecido com "Dá!".
Se você quiser conversar comigo, a entonação também é importante. Por exemplo, papai costuma dar uma entonação de desconfiança e falar coisas do tipo "Pedro, você está me enganando, hein? Você está me enrolando, heim garoto?". Aí eu percebo que ele está para brincadeira pelo tom da conversa e caio na gargalhada.
É verdade, eu entendo quando alguém está bravo, brincando, falando com sarcasmo e coisas assim. Não me pergunte como, mas eu sei. Alguém disse que a gente se comunica até pela pele. Quando fico sem tomar banho sou mais enfático neste sentido.
Eu também fico muito contente quando, após o banho, alguém diz que estou bonito, que o cabelo ficou lindo, que estou cheiroso e elogios assim. Eu sei que às vezes eles estão só me enrolando, porque a roupa não passa de um pijama, quem cortou o cabelo deixou alguma falha ou nem colocaram perfume. Mas eu faço de conta que caí na conversa só para minha família ficar contente.
Então, minha sugestão com tudo isso é que você procure conversar com pessoas que parecem não entender. Converse mesmo assim. Crianças com síndrome de down, paralisia cerebral ou até em coma. No livro "Uma luta pela vida" que minha irmã escreveu ela conta algo que aconteceu com meu avô quando estava em coma e minha avó começou a cantar um hino lá dentro, na UTI. A reação dele e de outros pacientes foi tão positiva que até o médico disse para ela não parar de cantar.
Não vou contar a história toda senão você não compra o livro de minha irmã para ler. Se ganho porcentagem? Sabe que ainda não pensei nisso...? Foi bom você ter dado a idéia. Vou procurar um advogado!
Ele disse que eu não sei falar. Bem, pelo menos papai pensa assim, mas a verdade é que eu fico na minha. Ele explicou também que minha comunicação com a família é basicamente por meio de expressão corporal. Lá em casa todo mundo sabe que quando eu faço um "Aaaaaa" é porque quero água.
"Antá" é a palavra que uso para pedir para cantar, algo que aprendi com uma senhora que trabalhou em casa. Ela ficava cantando "Parabéns prá você" e "Atirei um pau no gato" para mim o dia todo enquanto limpava a casa, e quando ela parava eu dizia "Antá! Antá!". Veja bem que tem um acento no "á", senão vai ficar "anta", né?
Acho que este é quase todo o meu vocabulário por palavras. Como sou meio preguiçoso, resolvi botar a família que adotei para trabalhar e eles tiveram que aprender a ler minhas expressões, estado de humor, os gestos, tudo para entenderem o que quero dizer. Depois de 17 anos nesta família -- eu cheguei quando estava com quatro anos -- até que eles já ficaram bem craques nisso. Ao contrário do que eu pensava, minha família até que consegue aprender as coisas.
Mas eu gosto mesmo é de uma boa conversa, de pessoas que ficam falando comigo. Geralmente conversam comigo enquanto eu tomo banho. É uma conversa banal, do tipo, "Pedro, cadê a Lia? Ué, a Lia não veio hoje? Então o que você vai fazer quando o Lucas chegar?" A conversa não tem muitos objetivos além de mostrar para mim que tem alguém interessado em mim. Por isso eu respondo do jeito que posso, com um som parecido com "Dá!".
Se você quiser conversar comigo, a entonação também é importante. Por exemplo, papai costuma dar uma entonação de desconfiança e falar coisas do tipo "Pedro, você está me enganando, hein? Você está me enrolando, heim garoto?". Aí eu percebo que ele está para brincadeira pelo tom da conversa e caio na gargalhada.
É verdade, eu entendo quando alguém está bravo, brincando, falando com sarcasmo e coisas assim. Não me pergunte como, mas eu sei. Alguém disse que a gente se comunica até pela pele. Quando fico sem tomar banho sou mais enfático neste sentido.
Eu também fico muito contente quando, após o banho, alguém diz que estou bonito, que o cabelo ficou lindo, que estou cheiroso e elogios assim. Eu sei que às vezes eles estão só me enrolando, porque a roupa não passa de um pijama, quem cortou o cabelo deixou alguma falha ou nem colocaram perfume. Mas eu faço de conta que caí na conversa só para minha família ficar contente.
Então, minha sugestão com tudo isso é que você procure conversar com pessoas que parecem não entender. Converse mesmo assim. Crianças com síndrome de down, paralisia cerebral ou até em coma. No livro "Uma luta pela vida" que minha irmã escreveu ela conta algo que aconteceu com meu avô quando estava em coma e minha avó começou a cantar um hino lá dentro, na UTI. A reação dele e de outros pacientes foi tão positiva que até o médico disse para ela não parar de cantar.
Não vou contar a história toda senão você não compra o livro de minha irmã para ler. Se ganho porcentagem? Sabe que ainda não pensei nisso...? Foi bom você ter dado a idéia. Vou procurar um advogado!
15/01/2009
Manual de simancol
Hoje visitei um blog muito legal chamado Marina on Wheels. Ali a Marina fala de suas dificuldades com as pessoas deficientes. Deficientes em simancol. Sacumé, aquelas que andam com as duas pernas mas não sabem se mancar. Ela contou de um garçom que, no restaurante, perguntava para a mãe dela o que a Marina ia comer!
Não, a Marina não é um bebê, mas uma garota de vinte anos super inteligente que por uma circunstância precisa usar cadeira de rodas para se locomover. Alguns usam bengalas porque as pernas não são firmes, outros usam óculos para enxergar, outros, obturações para mastigar ou alguma prótese ou parafuso para manter os ossos no lugar. Além dos que usam automóveis para correr, pés-de-pato para nadar, snorkel para mergulhar ou aviões para voar. Por que? Por não terem nascido com pernas de gazela, nadadeiras ou guelras de peixes, ou asas de águia.
Então a Marina, assim como eu e muita gente, usa cadeira de rodas para se locomover, e tem gente que não percebe que somos pessoas perfeitamente normais, que pensam, entendem, amam, se comunicam ou se locomovem. Só que de maneiras diferentes.
Acontece comigo também. É claro que por eu não saber falar, o garçom tem mesmo que perguntar para quem estiver comigo. Tudo bem. O chato é quando encontro pessoas que sentem repúdio. Fazem aquela cara feia, uma mistura de espanto, nojo e medo. Ah! Aí eu fico chateado! Uma vez aconteceu em um supermercado.
Eu era pequenininho e ainda não andava numa cadeira de rodas, mas num desses carrinhos de bebê de armar tipo guarda-chuvas. Estávamos eu, meu pai e meus dois irmãozinhos. Como eu não tenho o que fazer costumo ficar me contorcendo um pouquinho, balançando para frente e para trás ou fazendo uns sons do tipo "Uh!" "Uh!" "Uh!". Ajuda a passar o tempo, mas tem gente que estranha.
Uma madame, toda cheia de brincos, colares e pulseiras e muuuiiiiito perfumada, assustou-se comigo. Ela vinha pelo corredor do supermercado e, quando me viu, passou ao largo, o mais longe que podia, quase derrubando as latas da gôndola, como se eu tivesse alguma doença contagiosa. E fez cara de nojo, imagine só!
Papai percebeu e, junto com meus irmãozinhos, traçou um plano. Foi então que - veja que coincidência - em todos os lugares onde a madame parava para colocar alguma coisa no carrinho de compras, lá estávamos nós bem ao lado dela olhando algum produto na gôndola com a maior cara de sonso! Foi muito divertido. Eh! eh! Parecia até brincadeira de pegar, para desespero da madame que partia em disparada chacoalhando seus badulaques.
Vou colar aqui algo que encontrei no site da Marina on Wheels, que achei muito legal. Pode servir para quem tem dificuldades para tratar com pessoas em cadeiras de rodas:
. Minhas pernas não funcionam, por isso tenho uma cadeira. Para mim ela é uma extensão do meu corpo, por isso não me empurre sem que eu peça nem se apóie ou mexa nela pois ela é o meu corpo.
. Não fique me "encarando", se tiver curiosidade de saber sobre minha deficiência, pergunte. Eu me sinto bem em explicar pois o conhecimento diminui o preconceito.
. Eu vejo as coisas e pessoas de maneira diferente de você porque vivo sentado. Quando estiver conversando comigo por algum tempo, tente sentar-se também, para que eu não tenha que ficar olhando para cima o tempo todo.
. Se não puder sentar, evite conversar comigo ficando atrás de mim. É importante para mim que você esteja no meu campo de visão.
. Fale sobre qualquer assunto comigo, seja natural. Mesmo que eu não seja fisicamente igual a você, entendo de assuntos variados exatamente como você. Fale sobre corridas, caminhadas, passeios na areia da praia, dança... eu falo dessas coisas também.
Não, a Marina não é um bebê, mas uma garota de vinte anos super inteligente que por uma circunstância precisa usar cadeira de rodas para se locomover. Alguns usam bengalas porque as pernas não são firmes, outros usam óculos para enxergar, outros, obturações para mastigar ou alguma prótese ou parafuso para manter os ossos no lugar. Além dos que usam automóveis para correr, pés-de-pato para nadar, snorkel para mergulhar ou aviões para voar. Por que? Por não terem nascido com pernas de gazela, nadadeiras ou guelras de peixes, ou asas de águia.
Então a Marina, assim como eu e muita gente, usa cadeira de rodas para se locomover, e tem gente que não percebe que somos pessoas perfeitamente normais, que pensam, entendem, amam, se comunicam ou se locomovem. Só que de maneiras diferentes.
Acontece comigo também. É claro que por eu não saber falar, o garçom tem mesmo que perguntar para quem estiver comigo. Tudo bem. O chato é quando encontro pessoas que sentem repúdio. Fazem aquela cara feia, uma mistura de espanto, nojo e medo. Ah! Aí eu fico chateado! Uma vez aconteceu em um supermercado.
Eu era pequenininho e ainda não andava numa cadeira de rodas, mas num desses carrinhos de bebê de armar tipo guarda-chuvas. Estávamos eu, meu pai e meus dois irmãozinhos. Como eu não tenho o que fazer costumo ficar me contorcendo um pouquinho, balançando para frente e para trás ou fazendo uns sons do tipo "Uh!" "Uh!" "Uh!". Ajuda a passar o tempo, mas tem gente que estranha.
Uma madame, toda cheia de brincos, colares e pulseiras e muuuiiiiito perfumada, assustou-se comigo. Ela vinha pelo corredor do supermercado e, quando me viu, passou ao largo, o mais longe que podia, quase derrubando as latas da gôndola, como se eu tivesse alguma doença contagiosa. E fez cara de nojo, imagine só!
Papai percebeu e, junto com meus irmãozinhos, traçou um plano. Foi então que - veja que coincidência - em todos os lugares onde a madame parava para colocar alguma coisa no carrinho de compras, lá estávamos nós bem ao lado dela olhando algum produto na gôndola com a maior cara de sonso! Foi muito divertido. Eh! eh! Parecia até brincadeira de pegar, para desespero da madame que partia em disparada chacoalhando seus badulaques.
Vou colar aqui algo que encontrei no site da Marina on Wheels, que achei muito legal. Pode servir para quem tem dificuldades para tratar com pessoas em cadeiras de rodas:
. Minhas pernas não funcionam, por isso tenho uma cadeira. Para mim ela é uma extensão do meu corpo, por isso não me empurre sem que eu peça nem se apóie ou mexa nela pois ela é o meu corpo.
. Não fique me "encarando", se tiver curiosidade de saber sobre minha deficiência, pergunte. Eu me sinto bem em explicar pois o conhecimento diminui o preconceito.
. Eu vejo as coisas e pessoas de maneira diferente de você porque vivo sentado. Quando estiver conversando comigo por algum tempo, tente sentar-se também, para que eu não tenha que ficar olhando para cima o tempo todo.
. Se não puder sentar, evite conversar comigo ficando atrás de mim. É importante para mim que você esteja no meu campo de visão.
. Fale sobre qualquer assunto comigo, seja natural. Mesmo que eu não seja fisicamente igual a você, entendo de assuntos variados exatamente como você. Fale sobre corridas, caminhadas, passeios na areia da praia, dança... eu falo dessas coisas também.
14/01/2009
Fauna, flora, cobras e lagartos
Vamos voltar à minha história. Eu estava dizendo que logo que cheguei meus novos pais me levaram a uma médica. O diagnóstico foi subnutrição e uma verdadeira fauna intestinal, onde não faltava uma espécie sequer. Eu sempre fui partidário da conservação da fauna, mas aquela estava comendo o que não dava nem para mim.
Minha dieta nos primeiros quatro anos de vida e depois de desmamado deve ter sido basicamente de farinha de mandioca, água e açúcar. Tomada em copo, já que perdi a capacidade de sugar. Isso eu viria a adquirir depois com a ajuda de fisioterapeutas e fonoaudiólogas. Elas colocavam pasta de chocolate em meu lábio superior e eu precisava fazer ele entrar na boca para comer. Aí fui aprendendo a sugar.
Mas naquele dia a médica não deu nenhum remédio para os milhares de vermes alienígenas que habitavam a espaçonave de meu ventre. Qualquer medicamento ou alimento mais forte teria sido o golpe final para minha saúde já abalada. Se é que aquilo podia ser chamado de saúde!
Foi assim que comecei minha dieta com uma papinha rala de arroz, pois nem mesmo leite a médica queria arriscar, pois ninguém sabia se eu tinha experimentado o gosto disso nos últimos anos. Era melhor prevenir. A papinha até que não era ruim e se eu conseguisse falar, aconselharia papai a adotar uma dieta desse tipo por alguns dias. Ele anda meio barrigudo ultimamente...
Só depois de fortalecido foi que recebi medicamento para minha tosse, embora boa parte dela podia ser causada por verminhos fazendo cócegas em minha garganta. Não acredita? Bem, então você precisava ver a surpresa que deixei em minha fralda quando comecei a tomar um vermífugo. Você assistiu aquele filme Anaconda, que tinha aquela cobra enorme que engolia gente? Pois é. Como eu não sou fraco, nem nada, todo mundo achou que eu tivesse engolido a Anaconda!
Minha dieta nos primeiros quatro anos de vida e depois de desmamado deve ter sido basicamente de farinha de mandioca, água e açúcar. Tomada em copo, já que perdi a capacidade de sugar. Isso eu viria a adquirir depois com a ajuda de fisioterapeutas e fonoaudiólogas. Elas colocavam pasta de chocolate em meu lábio superior e eu precisava fazer ele entrar na boca para comer. Aí fui aprendendo a sugar.
Mas naquele dia a médica não deu nenhum remédio para os milhares de vermes alienígenas que habitavam a espaçonave de meu ventre. Qualquer medicamento ou alimento mais forte teria sido o golpe final para minha saúde já abalada. Se é que aquilo podia ser chamado de saúde!
Foi assim que comecei minha dieta com uma papinha rala de arroz, pois nem mesmo leite a médica queria arriscar, pois ninguém sabia se eu tinha experimentado o gosto disso nos últimos anos. Era melhor prevenir. A papinha até que não era ruim e se eu conseguisse falar, aconselharia papai a adotar uma dieta desse tipo por alguns dias. Ele anda meio barrigudo ultimamente...
Só depois de fortalecido foi que recebi medicamento para minha tosse, embora boa parte dela podia ser causada por verminhos fazendo cócegas em minha garganta. Não acredita? Bem, então você precisava ver a surpresa que deixei em minha fralda quando comecei a tomar um vermífugo. Você assistiu aquele filme Anaconda, que tinha aquela cobra enorme que engolia gente? Pois é. Como eu não sou fraco, nem nada, todo mundo achou que eu tivesse engolido a Anaconda!
13/01/2009
O hobby do vovo
De vez em quando eu dou uma paradinha em minha história para contar meu dia-a-dia. Acho que interessa, né? Bom, essa virada de ano foi meio diferente aqui em casa. Meus irmãos viajaram para o Sul e eu fiquei com meu pai e minha avó. Ela é viúva, idosa e caminha com a ajuda de uma bengala.
Papai aproveitou para dar uma semana de férias para a empregada, então eu, papai e vovó fomos comer todos os dias em um restaurante que fica na esquina. Imagine a cena: eu em minha cadeira de rodas empurrado por papai e vovó vindo atrás, bem devagarzinho, apoiada em sua bengala. Não dá pra ter pressa, né?
Todos os garçons já me conhecem no restaurante e vêm conversar comigo. Eu fico na minha, não digo uma palavra. Também, como dizer se não sei falar? É, esta é uma de minhas falhas de fabricação, mas por dentro tenho uma alma tão preciosa a Deus como qualquer outra pessoa. Quer ver?
"Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo." Salmo 68:5
Viu só? Ele cuida de mim e da vovó. Ah! Eu disse que falaria do que meu vovô fazia. Pois é, antes de sofrer um derrame que o deixou quase quatro anos numa cama e cadeira de rodas até ir para o Céu, vovô era muito habilidoso com ferramentas. Ele foi bancário a vida toda, mas gostava mesmo de construir e inventar coisas.
Então ele comprou um monte de rodas de bicicleta, ferro para a armação, madeira para o encosto dos braços e lona para o assento, e inventou uma cadeira de rodas baratinha que ele mesmo fazia na oficina no quintal. Com isso ele se divertia fazendo o que gostava e ainda ajudava muita gente que não tinha dinheiro para comprar uma cadeira de rodas.
Sabia que existe muita gente por aí se arrastando pelo chão da casa só por não ter dinheiro para comprar uma simples cadeira de rodas? Sabe quanto custa uma cadeira de rodas? Achei a mais barata na Internet por R$ 145,00, o que é muito para alguns e quase nada para outros. Conhece alguém que ainda não tem uma e se arrasta pelo chão? Que tal fazer algo diferente neste ano de 2004?
Papai aproveitou para dar uma semana de férias para a empregada, então eu, papai e vovó fomos comer todos os dias em um restaurante que fica na esquina. Imagine a cena: eu em minha cadeira de rodas empurrado por papai e vovó vindo atrás, bem devagarzinho, apoiada em sua bengala. Não dá pra ter pressa, né?
Todos os garçons já me conhecem no restaurante e vêm conversar comigo. Eu fico na minha, não digo uma palavra. Também, como dizer se não sei falar? É, esta é uma de minhas falhas de fabricação, mas por dentro tenho uma alma tão preciosa a Deus como qualquer outra pessoa. Quer ver?
"Pai de órfãos e juiz de viúvas é Deus, no seu lugar santo." Salmo 68:5
Viu só? Ele cuida de mim e da vovó. Ah! Eu disse que falaria do que meu vovô fazia. Pois é, antes de sofrer um derrame que o deixou quase quatro anos numa cama e cadeira de rodas até ir para o Céu, vovô era muito habilidoso com ferramentas. Ele foi bancário a vida toda, mas gostava mesmo de construir e inventar coisas.
Então ele comprou um monte de rodas de bicicleta, ferro para a armação, madeira para o encosto dos braços e lona para o assento, e inventou uma cadeira de rodas baratinha que ele mesmo fazia na oficina no quintal. Com isso ele se divertia fazendo o que gostava e ainda ajudava muita gente que não tinha dinheiro para comprar uma cadeira de rodas.
Sabia que existe muita gente por aí se arrastando pelo chão da casa só por não ter dinheiro para comprar uma simples cadeira de rodas? Sabe quanto custa uma cadeira de rodas? Achei a mais barata na Internet por R$ 145,00, o que é muito para alguns e quase nada para outros. Conhece alguém que ainda não tem uma e se arrasta pelo chão? Que tal fazer algo diferente neste ano de 2004?
12/01/2009
A primeira medica a gente nao esquece
Bem, ano novo, vida nova, mas minha história é a mesma velha história, e preciso continuar. Onde foi que parei? Ah! Sim! Eu tinha chegado ao meu novo lar. Em meus primeiros dias ali eu fui dormir na sala, digo, fui tossir na sala ao lado de meu pai. Por que será que ele saía para trabalhar de manhã com aquela cara amassada e olheiras enormes?!
Logo Maria e seu filho foram embora e eu ganhei meu lugar no quarto entre meus novos irmãozinhos, Lia e Lucas. Meu pai mandou fazer uma cama com rodinhas que ficava escondida embaixo da cama de minha irmã e saía de lá para eu dormir. Assim eu não corria o risco de cair.
Minha primeira manhã em São Paulo foi no consultório de uma pediatra que era prima de minha nova mãe. Cheguei lá bem vestidinho e limpinho, mas ainda não muito cheiroso. A médica pediu que tirassem minha roupa enquanto ela preparava suas coisas para o exame. Aí aconteceu.
Quando ela se virou e me viu peladinho deitado ali, ao invés de dar dois passos para a frente ela deu dois passos para trás. Causei um choque. A médica estava acostumada com crianças desnutridas, mas eu fui demais até para ela. Também, não era por menos. Você me vê nas fotos deste blog após um belo tratamento, mas eu cheguei bem estragadinho.
Já viu aquelas fotos daqueles garotinhos na África, que têm uma cabeça e uma barriga enormes espetadas por braços e pernas que mais parecem palitos de dente em xuxu? Eu era assim, mas ninguém em sã consciência me chamaria de "xuxuzinho". Eu estava horrível!
Minha doença? Fome, maus tratos, falta de amor e de carinho. Coisas que podem ser resolvidas com muito pouco, mas que pouca gente acha que pode resolver. Muita gente reclama do governo, disso e daquilo, mas fazer algo que é bom, neca! Felizmente isso está mudando e tem até gente criando empresas para resolver esses problemas. Chamam de ONG, Organização Não Governamental, e tem de todo tipo, desde cuidar de crianças como eu até preservar o meio-ambiente.
Você está engajado em alguma coisa assim? Nem todo mundo precisa adotar uma criança, e às vezes é melhor não fazer uma coisa para a qual você não leva jeito. Mas existem mil maneiras de ajudar quem precisa. Pode ser uma velhinha no asilo que só quer meia hora de conversa. Alguém doente que vai ficar contente com uma visitinha. Um deficiente físico precisando de uma cadeira de rodas. Ah! Isso me fez lembrar meu novo avô, que agora já mora no Céu. Vou contar o que ele fez da próxima vez.
Mas por enquanto, anote aí em seu caderninho que hoje mesmo você vai procurar alguma coisinha, ainda que pequenininha, que irá facilitar a vida de quem sofre. Há um antigo ditado que diz que uma jornada de mil quilômetros começa com um passo. Um ditado mais recente diz que começa com um pneu furado, mas é do antigo que quero falar. Por pouco que a gente faça por alguém, já é alguma coisa.
Logo Maria e seu filho foram embora e eu ganhei meu lugar no quarto entre meus novos irmãozinhos, Lia e Lucas. Meu pai mandou fazer uma cama com rodinhas que ficava escondida embaixo da cama de minha irmã e saía de lá para eu dormir. Assim eu não corria o risco de cair.
Minha primeira manhã em São Paulo foi no consultório de uma pediatra que era prima de minha nova mãe. Cheguei lá bem vestidinho e limpinho, mas ainda não muito cheiroso. A médica pediu que tirassem minha roupa enquanto ela preparava suas coisas para o exame. Aí aconteceu.
Quando ela se virou e me viu peladinho deitado ali, ao invés de dar dois passos para a frente ela deu dois passos para trás. Causei um choque. A médica estava acostumada com crianças desnutridas, mas eu fui demais até para ela. Também, não era por menos. Você me vê nas fotos deste blog após um belo tratamento, mas eu cheguei bem estragadinho.
Já viu aquelas fotos daqueles garotinhos na África, que têm uma cabeça e uma barriga enormes espetadas por braços e pernas que mais parecem palitos de dente em xuxu? Eu era assim, mas ninguém em sã consciência me chamaria de "xuxuzinho". Eu estava horrível!
Minha doença? Fome, maus tratos, falta de amor e de carinho. Coisas que podem ser resolvidas com muito pouco, mas que pouca gente acha que pode resolver. Muita gente reclama do governo, disso e daquilo, mas fazer algo que é bom, neca! Felizmente isso está mudando e tem até gente criando empresas para resolver esses problemas. Chamam de ONG, Organização Não Governamental, e tem de todo tipo, desde cuidar de crianças como eu até preservar o meio-ambiente.
Você está engajado em alguma coisa assim? Nem todo mundo precisa adotar uma criança, e às vezes é melhor não fazer uma coisa para a qual você não leva jeito. Mas existem mil maneiras de ajudar quem precisa. Pode ser uma velhinha no asilo que só quer meia hora de conversa. Alguém doente que vai ficar contente com uma visitinha. Um deficiente físico precisando de uma cadeira de rodas. Ah! Isso me fez lembrar meu novo avô, que agora já mora no Céu. Vou contar o que ele fez da próxima vez.
Mas por enquanto, anote aí em seu caderninho que hoje mesmo você vai procurar alguma coisinha, ainda que pequenininha, que irá facilitar a vida de quem sofre. Há um antigo ditado que diz que uma jornada de mil quilômetros começa com um passo. Um ditado mais recente diz que começa com um pneu furado, mas é do antigo que quero falar. Por pouco que a gente faça por alguém, já é alguma coisa.
11/01/2009
Atencao senhores passageiros!
Quem mais arregalou os olhos com a minha chegada foi minha nova irmã, Lia. Ela tinha só seis anos e não sabia se olhava, se fugia, se chorava. Meu novo irmãozinho era o Lucas, que tinha a minha idade, só um mês mais velho. Também ficou desconfiado daquela coisinha embrulhada em um cobertor que Maria passou para os braços de minha nova mãe. Era eu.
Saímos do aeroporto e viajamos para São Paulo em uma confusão de movimentos e sons que eu nunca tinha ouvido. Todos no carro pareciam conversar ao mesmo tempo, mas às vezes o silêncio caía como chumbo sobre meus novos pais. Eles tinham muito para pensar. Estariam arrependidos? Acho que não.
No caminho minha nova mãe percebeu que eu piscava os olhinhos quando as luzes das ruas passavam sobre o meu rosto. Isso deu a todos uma esperança de que eu não era totalmente cego, apenas estava impedido de enxergar por causa da catarata. O futuro mostraria que não era tão simples assim.
Acho que chegamos no apartamento que seria meu novo lar bem tarde, porque todos estavam querendo dormir. Maria e seu filho, que iriam ficar uns dias em São Paulo para um tratamento foram dormir no quarto de meus novos irmãos, que foram dormir com minha nova mãe. Eh! eh! adivinha para quem eu sobrei? Para dormir com meu pai. Dormir é modo de dizer, porque tossi a noite inteira e tinha espasmos porque o estômago já estava vazio.
Apesar do frio, durante o trajeto o vidro do carro foi aberto várias vezes para deixar sair meu cheiro que não era fraco. Imagine ficar quatro anos sem banho e com pouca água e você vai entender que meu organismo não funcionava como o de uma criança qualquer. Eu era um verdadeiro gambazinho, mesmo depois de Maria ter dado alguns banhos.
O problema é que meu hálito também não ajudava e muito tempo depois meus pais iriam descobrir que meus dentes eram completamente revestidos por uma camada de mineralizada de tártaro que foi se tornando quebradiço até revelar dentes perfeitos. Hoje tenho 21 anos e nenhuma cárie. Será que a receita é ficar os primeiros 4 anos de vida sem nenhuma higiene bucal? Crianças: não tentem fazer isto em casa!
Saímos do aeroporto e viajamos para São Paulo em uma confusão de movimentos e sons que eu nunca tinha ouvido. Todos no carro pareciam conversar ao mesmo tempo, mas às vezes o silêncio caía como chumbo sobre meus novos pais. Eles tinham muito para pensar. Estariam arrependidos? Acho que não.
No caminho minha nova mãe percebeu que eu piscava os olhinhos quando as luzes das ruas passavam sobre o meu rosto. Isso deu a todos uma esperança de que eu não era totalmente cego, apenas estava impedido de enxergar por causa da catarata. O futuro mostraria que não era tão simples assim.
Acho que chegamos no apartamento que seria meu novo lar bem tarde, porque todos estavam querendo dormir. Maria e seu filho, que iriam ficar uns dias em São Paulo para um tratamento foram dormir no quarto de meus novos irmãos, que foram dormir com minha nova mãe. Eh! eh! adivinha para quem eu sobrei? Para dormir com meu pai. Dormir é modo de dizer, porque tossi a noite inteira e tinha espasmos porque o estômago já estava vazio.
Apesar do frio, durante o trajeto o vidro do carro foi aberto várias vezes para deixar sair meu cheiro que não era fraco. Imagine ficar quatro anos sem banho e com pouca água e você vai entender que meu organismo não funcionava como o de uma criança qualquer. Eu era um verdadeiro gambazinho, mesmo depois de Maria ter dado alguns banhos.
O problema é que meu hálito também não ajudava e muito tempo depois meus pais iriam descobrir que meus dentes eram completamente revestidos por uma camada de mineralizada de tártaro que foi se tornando quebradiço até revelar dentes perfeitos. Hoje tenho 21 anos e nenhuma cárie. Será que a receita é ficar os primeiros 4 anos de vida sem nenhuma higiene bucal? Crianças: não tentem fazer isto em casa!
10/01/2009
Filhos por adocao
Meus novos pais estavam em uma reunião de estudos bíblicos e oração no apartamento de uns amigos. Havia ali umas doze ou quinze pessoas, algumas delas crianças, e tudo corria como de costume. Alguém tinha sugerido para cantarem um hino, outra pessoa fez uma oração, alguém comentou um versículo da Bíblia e assim foi. Até que um homem, que tinha vindo de outra cidade, resolveu abrir sua Bíblia, ler um ou dois trechos e comentar.
O trecho que leu primeiro foi este, em Romanos 8:15: "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai." Depois leu Efésios 1:5: "E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade".
Então começou a falar do amor de Deus que, vendo suas pobres criaturas cegas, aleijadas ou mesmo mortas espiritualmente, decidiu adotá-las como filhos. Para poder fazer isso, Ele precisava dar um jeito em um problema que essas pessoas tinham, que era o pecado. Como Ele não queria castigá-las por isso, decidiu fazer um negócio muito estranho, mas muito bonito.
Ele enviou o Seu Filho, Jesus, para vir aqui morrer numa cruz no lugar das pessoas. Isso mesmo, algo como alguém inocente ser castigado no lugar do culpado. Vou dar um exemplo: uma vez, no barraco onde eu morava, estiquei o braço e derrubei uma caneca cheia de água que estava ao lado de minha cama. Minha mãe original entrou e viu a bagunça e meu irmãozinho pegando a caneca caída no chão. Adivinha quem ganhou as chineladas? Ele! Entendeu? Eu era culpado, mas foi ele quem apanhou. E eu saí livre do castigo.
Mas a coisa era bem mais complicada no caso de Jesus. Deus sabia que Ele não era culpado, mas fez isso porque amava muito as pessoas. Aí, todo aquele que crê em Jesus, que reconhece que o sangue que Ele derramou lá na cruz é a única coisa que pode deixar a gente limpinho para ir para o céu, é transformado em filho de Deus.
Bem, não sei se era bem assim que estavam falando naquela reunião, mas a pessoa que falava explicava direitinho e ficava repetindo a palavra "amor" a todo momento. Dizia que só o amor poderia ter levado Deus a fazer o que fez. E que o amor de Deus era tanto, que Ele cuidava direitinho daqueles que passavam a ser Seus filhos.
Sabe o que foi o mais bonito de tudo aquilo? É que aquele homem que falava também tinha sido um filho adotivo, criado por uma outra mãe quando criança. Ele falou tudo aquilo de coração, sem saber que meus pais estavam cuidando de minha adoção. Com certeza Deus estava muito atento a tudo o que acontecia e mandou aquele homem dar um recado para meus pais ficarem mais tranqüilos.
O trecho que leu primeiro foi este, em Romanos 8:15: "Porque não recebestes o espírito de escravidão, para outra vez estardes em temor, mas recebestes o Espírito de adoção de filhos, pelo qual clamamos: Aba, Pai." Depois leu Efésios 1:5: "E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade".
Então começou a falar do amor de Deus que, vendo suas pobres criaturas cegas, aleijadas ou mesmo mortas espiritualmente, decidiu adotá-las como filhos. Para poder fazer isso, Ele precisava dar um jeito em um problema que essas pessoas tinham, que era o pecado. Como Ele não queria castigá-las por isso, decidiu fazer um negócio muito estranho, mas muito bonito.
Ele enviou o Seu Filho, Jesus, para vir aqui morrer numa cruz no lugar das pessoas. Isso mesmo, algo como alguém inocente ser castigado no lugar do culpado. Vou dar um exemplo: uma vez, no barraco onde eu morava, estiquei o braço e derrubei uma caneca cheia de água que estava ao lado de minha cama. Minha mãe original entrou e viu a bagunça e meu irmãozinho pegando a caneca caída no chão. Adivinha quem ganhou as chineladas? Ele! Entendeu? Eu era culpado, mas foi ele quem apanhou. E eu saí livre do castigo.
Mas a coisa era bem mais complicada no caso de Jesus. Deus sabia que Ele não era culpado, mas fez isso porque amava muito as pessoas. Aí, todo aquele que crê em Jesus, que reconhece que o sangue que Ele derramou lá na cruz é a única coisa que pode deixar a gente limpinho para ir para o céu, é transformado em filho de Deus.
Bem, não sei se era bem assim que estavam falando naquela reunião, mas a pessoa que falava explicava direitinho e ficava repetindo a palavra "amor" a todo momento. Dizia que só o amor poderia ter levado Deus a fazer o que fez. E que o amor de Deus era tanto, que Ele cuidava direitinho daqueles que passavam a ser Seus filhos.
Sabe o que foi o mais bonito de tudo aquilo? É que aquele homem que falava também tinha sido um filho adotivo, criado por uma outra mãe quando criança. Ele falou tudo aquilo de coração, sem saber que meus pais estavam cuidando de minha adoção. Com certeza Deus estava muito atento a tudo o que acontecia e mandou aquele homem dar um recado para meus pais ficarem mais tranqüilos.
09/01/2009
Senhor Juiz, nao pare agora!
Mas onde foi mesmo que parei minha história antes de falar do cachorro Max? Ah! O marido de Maria, advogado, estava cuidando de minha adoção para meus novos pais que moravam na cidade grande. E foi isso o que ele fez, di-rei-ti-nho!
Mas, sabe como é, a justiça não é apenas cega, ela é leeeeennnntaaaaaa! O juiz estava super ocupado e não podia cuidar de meu caso naquele mês. Se eu podia esperar? Claro que sim. Só que ao invés de uma nova certidão de nascimento ele teria que assinar um atestado de óbito. Porque eu já estava mais pra lá do que pra cá, entende?
Aí a Maria, que não era nem boba nem nada, foi até o barraco onde eu morava, pediu permissão para minha mãe e me levou até o fórum da cidade. Deu um jeitinho de ir entrando até chegar ao juiz e dizer: "Eu até poderia esperar o próximo mês, mas ele não". Fez isso mostrando minha barriga, minhas perninhas e... bem, eu não era nenhum bebê johnson não.
Não deu outra. O juiz resolveu tudo rapidinho. Não marcou nenhum impedimento. E Maria me levou para a casa dela correndo. Ganhei um banho e acho que foi meu primeiro em quatro anos de vida. Mas não adiantou. Eu estava com um mau cheiro de espantar qualquer um. Ela precisou abrir toda a casa para ventilar. Também pudera, quatro anos numa cama me borrando todo sem nenhuma higiene, fazendo um xixi que era quase sólido de tão pouca água que me davam, e nada de banho!
Maria fez de tudo para eu ficar cheirosinho, mas levaria tempo até isso acontecer, porque meu hálito ainda era de jacaré. Ainda hoje eu tenho mau hálito, apesar de minha nova família escovar meus dentes direitinho e me dar água de hora em hora. Será que foi alguma meia que engoli quando criança?
Brincadeira. Mas o que não é brincadeira, é que tem muita criança por aí vivendo assim. Sem higiene, sem alimentação adequada, sem cuidados médicos e, principalmente, sem amor. Eu sei que tive uma mãe, mas hoje não me lembro dela. Se ela me amava? Acho que sim, mas não tinha nem tempo nem cabeça para cuidar de uma criança como eu.
Mas nem imagino quem tenha sido meu pai. Já pensou? Alguém que um dia colocou um filhinho simpático como eu neste mundo e nunca voltou para conhecê-lo?
Mas, sabe como é, a justiça não é apenas cega, ela é leeeeennnntaaaaaa! O juiz estava super ocupado e não podia cuidar de meu caso naquele mês. Se eu podia esperar? Claro que sim. Só que ao invés de uma nova certidão de nascimento ele teria que assinar um atestado de óbito. Porque eu já estava mais pra lá do que pra cá, entende?
Aí a Maria, que não era nem boba nem nada, foi até o barraco onde eu morava, pediu permissão para minha mãe e me levou até o fórum da cidade. Deu um jeitinho de ir entrando até chegar ao juiz e dizer: "Eu até poderia esperar o próximo mês, mas ele não". Fez isso mostrando minha barriga, minhas perninhas e... bem, eu não era nenhum bebê johnson não.
Não deu outra. O juiz resolveu tudo rapidinho. Não marcou nenhum impedimento. E Maria me levou para a casa dela correndo. Ganhei um banho e acho que foi meu primeiro em quatro anos de vida. Mas não adiantou. Eu estava com um mau cheiro de espantar qualquer um. Ela precisou abrir toda a casa para ventilar. Também pudera, quatro anos numa cama me borrando todo sem nenhuma higiene, fazendo um xixi que era quase sólido de tão pouca água que me davam, e nada de banho!
Maria fez de tudo para eu ficar cheirosinho, mas levaria tempo até isso acontecer, porque meu hálito ainda era de jacaré. Ainda hoje eu tenho mau hálito, apesar de minha nova família escovar meus dentes direitinho e me dar água de hora em hora. Será que foi alguma meia que engoli quando criança?
Brincadeira. Mas o que não é brincadeira, é que tem muita criança por aí vivendo assim. Sem higiene, sem alimentação adequada, sem cuidados médicos e, principalmente, sem amor. Eu sei que tive uma mãe, mas hoje não me lembro dela. Se ela me amava? Acho que sim, mas não tinha nem tempo nem cabeça para cuidar de uma criança como eu.
Mas nem imagino quem tenha sido meu pai. Já pensou? Alguém que um dia colocou um filhinho simpático como eu neste mundo e nunca voltou para conhecê-lo?
08/01/2009
Batuque de joelhos
Enquanto isso acontecia, a mais de mil quilômetros dali meus futuros pais estavam com um problema. Os joelhos já estavam formando calos, de tanto bater um no outro de tremedeira. Dor de barriga, então, nem precisa falar. O salário estava indo quase todo em papel higiênico.
Também pudera! Eles estavam na faixa dos 30 anos, dois filhos pequenos com seis e quatro anos, dos quais mamãe cuidava enquanto papai trabalhava numa empresa. Para ajudar com as despesas, mamãe fazia bordados em ponto-cruz para vender. Moravam em um pequeno apartamento de dois dormitórios na grande cidade de São Paulo, como milhões de outras pessoas.
Eles eram exatamente aquilo que as pessoas chamam de classe média. Não sei bem o que significa isso. Papai era bem mais alto do que mamãe - vai ver que é por isso que os dois juntos formavam uma classe média, sei lá. Mas são pessoas que não têm nada de especial que às vezes Deus escolhe para fazerem algo. Sabe por quê? Ahá! Isso até eu sei explicar!
Tem um lugar na Bíblia - é, papai gosta sempre de citar a Bíblia - onde diz que as pessoas são salvas pela fé em Jesus, e não por suas boas ações. Está num lugar chamado Efésios capítulo dois. Lá também diz que Deus salva assim, de graça, e depois dá àquela pessoa que ganhou sua salvação eterna de presente uma tarefa para fazer. Mas é Ele quem realmente faz. A pessoa é só um instrumento.
Ali diz que Deus faz assim para que ninguém se glorie, isto é, para que ninguém fique dizendo que fez isto ou aquilo, que é o máximo, que dá show de bola e coisas do tipo. É claro que não está escrito com estas palavras lá, mas você entendeu, não entendeu?
Eles ainda não tinham contado nada para ninguém, nem que pretendiam adotar uma criança, nem que a criança seria especial, nem que já tinham encontrado e nem que já tinham encomendado! Mas uma noite veio uma confirmação para o que estavam fazendo, de uma forma como eles jamais poderiam imaginar.
Também pudera! Eles estavam na faixa dos 30 anos, dois filhos pequenos com seis e quatro anos, dos quais mamãe cuidava enquanto papai trabalhava numa empresa. Para ajudar com as despesas, mamãe fazia bordados em ponto-cruz para vender. Moravam em um pequeno apartamento de dois dormitórios na grande cidade de São Paulo, como milhões de outras pessoas.
Eles eram exatamente aquilo que as pessoas chamam de classe média. Não sei bem o que significa isso. Papai era bem mais alto do que mamãe - vai ver que é por isso que os dois juntos formavam uma classe média, sei lá. Mas são pessoas que não têm nada de especial que às vezes Deus escolhe para fazerem algo. Sabe por quê? Ahá! Isso até eu sei explicar!
Tem um lugar na Bíblia - é, papai gosta sempre de citar a Bíblia - onde diz que as pessoas são salvas pela fé em Jesus, e não por suas boas ações. Está num lugar chamado Efésios capítulo dois. Lá também diz que Deus salva assim, de graça, e depois dá àquela pessoa que ganhou sua salvação eterna de presente uma tarefa para fazer. Mas é Ele quem realmente faz. A pessoa é só um instrumento.
Ali diz que Deus faz assim para que ninguém se glorie, isto é, para que ninguém fique dizendo que fez isto ou aquilo, que é o máximo, que dá show de bola e coisas do tipo. É claro que não está escrito com estas palavras lá, mas você entendeu, não entendeu?
Eles ainda não tinham contado nada para ninguém, nem que pretendiam adotar uma criança, nem que a criança seria especial, nem que já tinham encontrado e nem que já tinham encomendado! Mas uma noite veio uma confirmação para o que estavam fazendo, de uma forma como eles jamais poderiam imaginar.
06/01/2009
Dia mundial do beijo molhado
Veja só o que aconteceu! Você ouviu eu falar de cães da última vez? De pessoas que adotam cães? Pois é. Me aconteceu uma que eu tenho que contar. Meu pai recebeu uma mensagem de uma menina de 19 anos, estudante de jornalismo. Adivinha o que ela queria? Saber se ele conhecia alguma organização de adestramento de cães-guia em São Paulo! Sabe o que isso quer dizer? Que é uma coisa muito legal adotar cães adestrados para guias de deficientes visuais como eu.
Bom, não serve pra mim não, porque eu precisaria de um cachorro grande o suficiente para me carregar nas costas, porque não sei andar. Quer dizer, andar eu sei, mas meus pés ficaram atrofiados e eu não tenho equilíbrio por causa de alguns fiozinhos que se estragaram dentro de minha cabeça. Defeito de fabricação.
Mas tudo bem, eu sou feliz mesmo assim. E até conheci um cachorro, o Max. Ele era um boxer bem grandão que ficava na casa de minha nova avó (essa que ainda vou ganhar na história que estou contando, mas agora eu já adianto isso).
Um dia eu estava lá belo e folgado, deitado numa dessas cadeiras perto da piscina e ninguém nem aí comigo. Todo mundo no maior papo, e sabe o que aconteceu? Quando perceberam, eu estava dando gargalhadas!
É que o Max, quando me viu (acho que foi a primeira vez que ele me viu e eu devia ter uns 5 ou 6 anos), subiu na cadeira, colocou duas patas de cada lado de mim e começou a lamber meu rosto.
Você já foi lambido por um boxer enorme, cheio de pelancas na cara e dentes que parecem um serrote? Pois é. Como eu não podia enxergar, mas só sentir, achei o máximo. Quase morri de tanto rir. Pena que veio todo mundo gritando, "Passa Max! Passa Max!" e o Max saiu correndo.
Que gente chata! O que será que eles queriam que o Max passasse? Bom, como ele já tinha lavado todo o meu rosto com sua baba, acho que esperavam que ele fizesse o serviço completo: lavar e passar. Deve ter sido isso...
Bom, não serve pra mim não, porque eu precisaria de um cachorro grande o suficiente para me carregar nas costas, porque não sei andar. Quer dizer, andar eu sei, mas meus pés ficaram atrofiados e eu não tenho equilíbrio por causa de alguns fiozinhos que se estragaram dentro de minha cabeça. Defeito de fabricação.
Mas tudo bem, eu sou feliz mesmo assim. E até conheci um cachorro, o Max. Ele era um boxer bem grandão que ficava na casa de minha nova avó (essa que ainda vou ganhar na história que estou contando, mas agora eu já adianto isso).
Um dia eu estava lá belo e folgado, deitado numa dessas cadeiras perto da piscina e ninguém nem aí comigo. Todo mundo no maior papo, e sabe o que aconteceu? Quando perceberam, eu estava dando gargalhadas!
É que o Max, quando me viu (acho que foi a primeira vez que ele me viu e eu devia ter uns 5 ou 6 anos), subiu na cadeira, colocou duas patas de cada lado de mim e começou a lamber meu rosto.
Você já foi lambido por um boxer enorme, cheio de pelancas na cara e dentes que parecem um serrote? Pois é. Como eu não podia enxergar, mas só sentir, achei o máximo. Quase morri de tanto rir. Pena que veio todo mundo gritando, "Passa Max! Passa Max!" e o Max saiu correndo.
Que gente chata! O que será que eles queriam que o Max passasse? Bom, como ele já tinha lavado todo o meu rosto com sua baba, acho que esperavam que ele fizesse o serviço completo: lavar e passar. Deve ter sido isso...
05/01/2009
Eu nao sou cachorro nao!
Depois de muito vacilar, meus futuros papai e mamãe conversaram sobre o assunto. Maria ficou radiante quando lhe pediram para cuidar da adoção em nome deles, quando ela voltasse para sua cidade. Com papai trabalhando e mamãe cuidando de meus futuros irmãozinhos, com 4 e 6 anos, não podiam ir até onde eu estava, a mais de mil quilômetros de distância.
O marido de Maria, um advogado, saberia que tipo de papel preencher, com quem falar, que documento procurar. Eu fiquei na minha. Ninguém me perguntou se eu queria me mudar de lar, por isso também não disse nada a ninguém. E nem poderia, né?
Maria voltou para a cidade onde morava e o casal ficou lá longe, morrendo de dor de barriga. Até ali tinha sido refresco o que tinham passado, perto do que viria. Quando a gente toma uma decisão, sempre temos solução para tudo em nossa cabeça. Mas quando contamos para outros... ai! ai! ai!
Veja o e-mail que papai recebeu de uma pessoa que leu esta minha história:
"Há 15 dias adotei uma menina. Estou ouvindo todas as profecias catastróficas possíveis, me sinto quase sozinha. Percebi o quanto é difícil para algumas pessoas sair do discurso e partir para a prática; amar um pedaço da gente é mais simples que amar alguém que nos tira um pedaço."
É verdade. Mas não é verdade apenas para a adoção de crianças. Papai costuma dizer que a Europa é hoje um lugar onde a população diminui porque as pessoas não querem mais ter filhos. Filho chora, dá trabalho, cria vínculos e tudo mais. Então algumas pessoas partem para a opção de diminuir os riscos e, mesmo assim, ter companhia. Adotam um cachorro.
Nada contra quem tem cachorros. Eu tenho um ursinho e gosto muito dele, mesmo sem ele ter uma perna, que consegui arrancar de tanto chacoalhar. Mas a verdade é que o mundo vai ficando sem suas crianças, enquanto cães ganham status de filhos, com direito até a herança!
Papai disse que nunca viu tanta gente levando cachorro para passear como na Inglaterra. E também nunca precisou caminhar com tanta atenção pela calçada, como num bairro de Londres.
O marido de Maria, um advogado, saberia que tipo de papel preencher, com quem falar, que documento procurar. Eu fiquei na minha. Ninguém me perguntou se eu queria me mudar de lar, por isso também não disse nada a ninguém. E nem poderia, né?
Maria voltou para a cidade onde morava e o casal ficou lá longe, morrendo de dor de barriga. Até ali tinha sido refresco o que tinham passado, perto do que viria. Quando a gente toma uma decisão, sempre temos solução para tudo em nossa cabeça. Mas quando contamos para outros... ai! ai! ai!
Veja o e-mail que papai recebeu de uma pessoa que leu esta minha história:
"Há 15 dias adotei uma menina. Estou ouvindo todas as profecias catastróficas possíveis, me sinto quase sozinha. Percebi o quanto é difícil para algumas pessoas sair do discurso e partir para a prática; amar um pedaço da gente é mais simples que amar alguém que nos tira um pedaço."
É verdade. Mas não é verdade apenas para a adoção de crianças. Papai costuma dizer que a Europa é hoje um lugar onde a população diminui porque as pessoas não querem mais ter filhos. Filho chora, dá trabalho, cria vínculos e tudo mais. Então algumas pessoas partem para a opção de diminuir os riscos e, mesmo assim, ter companhia. Adotam um cachorro.
Nada contra quem tem cachorros. Eu tenho um ursinho e gosto muito dele, mesmo sem ele ter uma perna, que consegui arrancar de tanto chacoalhar. Mas a verdade é que o mundo vai ficando sem suas crianças, enquanto cães ganham status de filhos, com direito até a herança!
Papai disse que nunca viu tanta gente levando cachorro para passear como na Inglaterra. E também nunca precisou caminhar com tanta atenção pela calçada, como num bairro de Londres.
04/01/2009
Desejos realizados
Maria tinha adotado uma criança deficiente visual que mais tarde viria a enxergar graças a implantes de córneas. O açougueiro sabia disso e foi nela que pensou quando vieram oferecer um menino para quem quisesse adotar. O menino era eu!
Foi difícil para ela decidir que não podia adotar mais um - na verdade nos anos que se seguiram Maria e seu marido acabaram adotando um total de seis crianças. Mas foi até a favela me visitar e quase caiu de costas quando viu minhas condições.
Pra falar a verdade, o barraco era tão pequeno que ela não podia cair de costas, por isso simplesmente foi embora com aquela cena apertada no coração. Precisava preparar as malas para viajar. Iria a São Paulo levar seu filho adotivo para exames prévios antes de submetê-lo a uma cirurgia de implante de córnea.
Adivinha onde Maria iria ficar hospedada? Adivinhou. Ela tinha um casal de amigos em São Paulo, que conhecera na época em que tinham interesses comuns de cuidarem de crianças em uma comunidade rural no interior de Goiás. Agora quando precisava ir a São Paulo ficava hospedada no apartamento do casal. Pelo jeito dessa vez Deus seria seu agente de viagens.
Não era a primeira vez que Maria ficava com aquele casal. A diferença era que desta vez ela tinha uma missão a cumprir, mas nem sabia disso. Meus futuros pais estavam quase sem falar muito no assunto "adoção". E falavam menos ainda sobre "criança especial", "excepcional", "deficiente físico", "retardado", "débil mental", "inválido" e todos esses termos que as pessoas ficam discutindo se são politicamente corretos ou não. Eles não estavam muito preocupados com a forma, mas com o conteúdo do propósito que tinham no coração. (Leia o que papai escreveu sobre inclusão social).
É claro que estavam morrendo de vontade de contar para Maria, de perguntar tudo sobre adoção, de saber a opinião dela sobre o que pretendiam fazer e tudo mais. Mas precisaram se conter. Tinham o firme propósito de contar apenas para Deus e esperar que Ele respondesse as suas orações e as das crianças nesse sentido. Principalmente das duas crianças, seus filhos biológicos. Lucas tinha apenas quatro anos e Lia seis. Mas levavam muito a sério a idéia dos pais e tinham a vantagem de possuir uma fé infantil, vacina poderosa contra o medo, a insegurança e a expectativa.
Então veio a notícia inesperada. Maria contou de como o açougueiro havia falado de uma criança - era eu - que estava em busca de novos pais. Da avó, que cuidava da criança e havia morrido, da mãe que vivia nas ruas e não podia cuidar, do barraco, da doença, de tudo. Para completar, explicou que eu era cego, surdo, mudo e paralítico. Achei que nesse ponto ela exagerou!
Pelo menos era isso que ela tinha ouvido, embora eu não fosse surdo e nem paralítico. Cego, sim, por causa de uma catarata congênita. Meus músculos funcionavam, embora meus pés estivessem atrofiados por culpa de quatro anos na cama sem cuidados ou exercícios. Não é que eu fosse mudo, só não sabia falar, coisa que até hoje eu não aprendi. Culpa do cérebro, que tem o que chamam de paralisia cerebral, mas acho que só um pouquinho. Bem, eu não era tão ruim quanto Maria descrevera. Só um pouquinho. Se eu tinha algum ponto a favor? Claro, sou super simpático!
Foi difícil para ela decidir que não podia adotar mais um - na verdade nos anos que se seguiram Maria e seu marido acabaram adotando um total de seis crianças. Mas foi até a favela me visitar e quase caiu de costas quando viu minhas condições.
Pra falar a verdade, o barraco era tão pequeno que ela não podia cair de costas, por isso simplesmente foi embora com aquela cena apertada no coração. Precisava preparar as malas para viajar. Iria a São Paulo levar seu filho adotivo para exames prévios antes de submetê-lo a uma cirurgia de implante de córnea.
Adivinha onde Maria iria ficar hospedada? Adivinhou. Ela tinha um casal de amigos em São Paulo, que conhecera na época em que tinham interesses comuns de cuidarem de crianças em uma comunidade rural no interior de Goiás. Agora quando precisava ir a São Paulo ficava hospedada no apartamento do casal. Pelo jeito dessa vez Deus seria seu agente de viagens.
Não era a primeira vez que Maria ficava com aquele casal. A diferença era que desta vez ela tinha uma missão a cumprir, mas nem sabia disso. Meus futuros pais estavam quase sem falar muito no assunto "adoção". E falavam menos ainda sobre "criança especial", "excepcional", "deficiente físico", "retardado", "débil mental", "inválido" e todos esses termos que as pessoas ficam discutindo se são politicamente corretos ou não. Eles não estavam muito preocupados com a forma, mas com o conteúdo do propósito que tinham no coração. (Leia o que papai escreveu sobre inclusão social).
É claro que estavam morrendo de vontade de contar para Maria, de perguntar tudo sobre adoção, de saber a opinião dela sobre o que pretendiam fazer e tudo mais. Mas precisaram se conter. Tinham o firme propósito de contar apenas para Deus e esperar que Ele respondesse as suas orações e as das crianças nesse sentido. Principalmente das duas crianças, seus filhos biológicos. Lucas tinha apenas quatro anos e Lia seis. Mas levavam muito a sério a idéia dos pais e tinham a vantagem de possuir uma fé infantil, vacina poderosa contra o medo, a insegurança e a expectativa.
Então veio a notícia inesperada. Maria contou de como o açougueiro havia falado de uma criança - era eu - que estava em busca de novos pais. Da avó, que cuidava da criança e havia morrido, da mãe que vivia nas ruas e não podia cuidar, do barraco, da doença, de tudo. Para completar, explicou que eu era cego, surdo, mudo e paralítico. Achei que nesse ponto ela exagerou!
Pelo menos era isso que ela tinha ouvido, embora eu não fosse surdo e nem paralítico. Cego, sim, por causa de uma catarata congênita. Meus músculos funcionavam, embora meus pés estivessem atrofiados por culpa de quatro anos na cama sem cuidados ou exercícios. Não é que eu fosse mudo, só não sabia falar, coisa que até hoje eu não aprendi. Culpa do cérebro, que tem o que chamam de paralisia cerebral, mas acho que só um pouquinho. Bem, eu não era tão ruim quanto Maria descrevera. Só um pouquinho. Se eu tinha algum ponto a favor? Claro, sou super simpático!
03/01/2009
Linha direta com Deus
Os novos papai e mamãe que Deus preparava para mim estavam morrendo de medo da decisão que haviam tomado. É natural. Às vezes uma criança nasce com alguma deficiência, e isso pode trazer muita frustração aos pais. Eles já tinham dois filhos saudáveis, um menino com quatro anos e uma menina com seis.
Agora pretendiam entrar no mundo das famílias dos portadores de deficiência - um mundo que não é horrível ou impossível de se viver como a maioria pensa - e adotar uma criança assim. A dita sabedoria popular teria dito que "isso era procurar sarna pra se coçar"!
E foi exatamente por esta razão que nem quiseram arriscar. Não falaram de seus planos para ninguém. Nem para parentes, nem para amigos, nem para os irmãos de fé com os quais costumavam se reunir em um apartamento para ler a Bíblia, orar e louvar a Deus. Só contaram para o próprio, para Deus.
E por dois meses aquela pequena gangue de quatro cúmplices - dois dos quais eram crianças demais para entender - traçaram aquele plano louco pediram que Deus mostrasse se aquele era também um plano dEle ou apenas mais uma aventura inconseqüente do casal. Cá entre nós, acho que Deus ouviu as orações das crianças. Geralmente elas tem mais fé do que os adultos...
Dois meses podem parecer dois séculos quando algo que você deseja fazer fica ali, trancado no coração e protegido com a capa do segredo. O normal seria conversar com pessoas amigas, pedir opiniões, trocar idéias. Acho que o medo que eles tinham de adotar alguém era do mesmo tamanho do medo de serem convencidos de que fariam uma loucura. Pode ser.
Enquanto isso acontecia com aquela jovem família num pequeno apartamento na grande cidade de São Paulo, Deus decidia usar outras pessoas para resolver meu problema. Um açougueiro e Maria, sua freguesa.
Agora pretendiam entrar no mundo das famílias dos portadores de deficiência - um mundo que não é horrível ou impossível de se viver como a maioria pensa - e adotar uma criança assim. A dita sabedoria popular teria dito que "isso era procurar sarna pra se coçar"!
E foi exatamente por esta razão que nem quiseram arriscar. Não falaram de seus planos para ninguém. Nem para parentes, nem para amigos, nem para os irmãos de fé com os quais costumavam se reunir em um apartamento para ler a Bíblia, orar e louvar a Deus. Só contaram para o próprio, para Deus.
E por dois meses aquela pequena gangue de quatro cúmplices - dois dos quais eram crianças demais para entender - traçaram aquele plano louco pediram que Deus mostrasse se aquele era também um plano dEle ou apenas mais uma aventura inconseqüente do casal. Cá entre nós, acho que Deus ouviu as orações das crianças. Geralmente elas tem mais fé do que os adultos...
Dois meses podem parecer dois séculos quando algo que você deseja fazer fica ali, trancado no coração e protegido com a capa do segredo. O normal seria conversar com pessoas amigas, pedir opiniões, trocar idéias. Acho que o medo que eles tinham de adotar alguém era do mesmo tamanho do medo de serem convencidos de que fariam uma loucura. Pode ser.
Enquanto isso acontecia com aquela jovem família num pequeno apartamento na grande cidade de São Paulo, Deus decidia usar outras pessoas para resolver meu problema. Um açougueiro e Maria, sua freguesa.
02/01/2009
Amarrado numa cama
Enquanto eu estava deitado na mesma posição de sempre - de costas - no que parecia ser uma cama em um barraco de favela, Deus estava preparando pessoas que eu não conhecia para me darem um novo lar. Minha avó, que cuidava de mim, morrera poucos dias antes e minha mão vivia nas ruas e parecia não ter condições de cuidar do filho que trouxe ao mundo.
Para evitar que eu caísse da cama, ela amarrava minha perna com uma cordinha, um pouco abaixo do joelho, e quatro anos assim foi tempo suficiente para a corda deixar uma marca em minha pele. Eu estava com quatro anos de idade e tinha um irmãozinho de dois, mas ele sabia se virar bem, ora comendo algo que encontrava no chão ou no lixo, ora dormindo no barraco de algum vizinho. O problema era que eu não podia me virar. Nem na cama, nem em qualquer lugar. Estava preso a um corpo que não me obedecia.
Me esqueci de contar que nasci com paralisia cerebral, catarata congênita e outros probleminhas mais. Deve ter sido um parto difícil, pois nasci em um hospital, coisa rara entre as crianças do lugar onde morava. Ficar numa cama sem mudar de posição durante quatro anos fizeram com que meu crânio ficasse mais achatado na parte de trás.
Como a cama devia ser afundada no centro, minha coluna também ficou um pouco vergada. Por não fazer exercícios, meus pés se deformaram, os tendões ficaram curtos e acabei ficando mais incapacitado do que quando nasci, tudo por falta de cuidados. Já pensou quantas crianças estão vivendo hoje assim?
Enquanto isso, a mais de mil quilômetros dali Deus preparava novos pais para mim. Eles já tinham conversado a respeito de adotarem uma criança, principalmente depois de papai ter lido a matéria na revista que mexeu muito com ele. A nova mamãe também ficaria sensibilizada com aquilo.
Então aconteceu algo engraçado. Os dois chegaram à conclusão de que havia muita criança saudável no mundo e muitos pais que dariam preferência a crianças saudáveis e sem deficiências. Então meus novos pais decidiram que procurariam adotar uma criança deficiente. Quer dizer, eles não procurariam.
Não procurariam porque não iriam atrás, não moveriam uma palha para me encontrar ou a alguém como eu. Iriam simplesmente esperar e orar. Decidiram que não iriam contar pra ninguém, não iriam procurar nenhuma instituição, não iriam perguntar, nadinha. Esperar e orar. Engraçado, né? Será que isso iria funcionar?
Para evitar que eu caísse da cama, ela amarrava minha perna com uma cordinha, um pouco abaixo do joelho, e quatro anos assim foi tempo suficiente para a corda deixar uma marca em minha pele. Eu estava com quatro anos de idade e tinha um irmãozinho de dois, mas ele sabia se virar bem, ora comendo algo que encontrava no chão ou no lixo, ora dormindo no barraco de algum vizinho. O problema era que eu não podia me virar. Nem na cama, nem em qualquer lugar. Estava preso a um corpo que não me obedecia.
Me esqueci de contar que nasci com paralisia cerebral, catarata congênita e outros probleminhas mais. Deve ter sido um parto difícil, pois nasci em um hospital, coisa rara entre as crianças do lugar onde morava. Ficar numa cama sem mudar de posição durante quatro anos fizeram com que meu crânio ficasse mais achatado na parte de trás.
Como a cama devia ser afundada no centro, minha coluna também ficou um pouco vergada. Por não fazer exercícios, meus pés se deformaram, os tendões ficaram curtos e acabei ficando mais incapacitado do que quando nasci, tudo por falta de cuidados. Já pensou quantas crianças estão vivendo hoje assim?
Enquanto isso, a mais de mil quilômetros dali Deus preparava novos pais para mim. Eles já tinham conversado a respeito de adotarem uma criança, principalmente depois de papai ter lido a matéria na revista que mexeu muito com ele. A nova mamãe também ficaria sensibilizada com aquilo.
Então aconteceu algo engraçado. Os dois chegaram à conclusão de que havia muita criança saudável no mundo e muitos pais que dariam preferência a crianças saudáveis e sem deficiências. Então meus novos pais decidiram que procurariam adotar uma criança deficiente. Quer dizer, eles não procurariam.
Não procurariam porque não iriam atrás, não moveriam uma palha para me encontrar ou a alguém como eu. Iriam simplesmente esperar e orar. Decidiram que não iriam contar pra ninguém, não iriam procurar nenhuma instituição, não iriam perguntar, nadinha. Esperar e orar. Engraçado, né? Será que isso iria funcionar?
01/01/2009
Quero contar
Oi, meu nome é Pedro e este é meu diário. Bem, não tenho certeza do que vou escrever aqui, mas acho que serão reflexões de minha vida e experiência. Na verdade, não vou escrever coisa alguma. Papai fará isso. E nem vou estar sabendo o que está sendo escrito aqui pois será papai quem tentará adivinhar o que penso e o que eu escreveria.
Você não entendeu, não é mesmo? Tudo bem, eu explico. A questão é que sou uma pessoa especial. Não posso andar, falar ou enxergar, portanto não sou capaz de escrever ou expressar meus pensamentos. Vou contar a você mais sobre isto logo abaixo e também nos próximos dias.
Se você já leu a coluna à direita, já sabe um pouco de meus antecedentes. Enquanto eu estava naquela pobre condição, Deus estava fazendo Sua obra a uns 1.400 quilômetros de onde eu morava. Um homem, aquele que agora chamo de "papai", estava aproveitando seu horário de almoço caminhando no centro da cidade de São Paulo, quando uma garota se aproximou com uma revista em sua mão.
Ela deu a ele a revista, cujo título era "Visão", uma revista semanal de notícias que já não é publicada. Ela tentava vender a ele uma assinatura e ele estava por demais interessado na foto da capa para prestar atenção ao que a garota falava. A foto era de um pobre garotinho morando nas ruas. Seu rosto estava sujo e ele tinha nuvens de tristeza em seus olhos. Papai ficou tão impressionado que nem pensou duas vezes antes de assinar a revista.
Evidentemente ele se arrependeu disso mais tarde, principalmente por não gostar de gastar dinheiro desse modo. Ele sempre diz que leva um escorpião em seu bolso, só para evitar enfiar sua mão ali. Estávamos em 1986 e seus pensamentos o sacudiam como um temporal que se aproxima.
Quando papai chegou em casa naquela noite, seus pensamentos estavam uma verdadeira confusão. Havia aquela espécie de fogo queimando dentro de seu peito, do tipo que você sente quando parece que alguma coisa vai acontecer. Ele leu o artigo na revista com o coração apertado. Todos os rostos daquelas criancinhas, como fantasmas caminhando pelas ruas, o tocaram. Algo precisava ser feito, mas o quê?
Mamãe, quer dizer, aquela que viria a ser minha segunda mãe, sentiu que havia algo de errado, mas não perguntou. Passou-se um ou dois dias até papai conversar com ela sobre adotar uma criança. Ela disse que sempre teve esse pensamento em seu coração. Com dois filhos naturais, um menino de quatro anos de idade como eu e uma menina de seis, eles não tinham planos para outros filhos naturais. Mas a idéia de salvar alguém da vida nas ruas foi algo que começou a mexer com seus corações.
Creio que o que mais tocou papai foi a percepção de que neste mundo existe rejeição. Talvez você não tenha sido rejeitado por seus pais, mas eu fui. Todavia, mesmo assim, mesmo que minha mãe e meu pai, a quem nunca conheci, tenham me rejeitado ou abandonado, o Senhor iria tomar conta de mim e o fator determinante nisso era Sua compaixão. Os novos papai e mamãe que Ele estava preparando para mim eram pessoas como você. Não havia nada de especial neles além do fato de que Deus estava trabalhando atrás dos bastidores. Ele Se compadece de Sua criação rejeitada; Ele tem pena de nós.
As pessoas deste mundo vivem curiosas com o que estará acontecendo conosco e mostram grande interesse nas notícias e nos boatos, alguns chegam a ser como vampiros assistindo TV em busca dos mais recentes sofrimentos e horrores, mas não se moverão em compaixão. Todavia... "quando meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me recolherá" (Salmo 27:10). Isto é maravilhoso! O Amável cuida do que não é amado. E Ele cuidaria de mim, como cuidou de verdade!
Você não entendeu, não é mesmo? Tudo bem, eu explico. A questão é que sou uma pessoa especial. Não posso andar, falar ou enxergar, portanto não sou capaz de escrever ou expressar meus pensamentos. Vou contar a você mais sobre isto logo abaixo e também nos próximos dias.
Se você já leu a coluna à direita, já sabe um pouco de meus antecedentes. Enquanto eu estava naquela pobre condição, Deus estava fazendo Sua obra a uns 1.400 quilômetros de onde eu morava. Um homem, aquele que agora chamo de "papai", estava aproveitando seu horário de almoço caminhando no centro da cidade de São Paulo, quando uma garota se aproximou com uma revista em sua mão.
Ela deu a ele a revista, cujo título era "Visão", uma revista semanal de notícias que já não é publicada. Ela tentava vender a ele uma assinatura e ele estava por demais interessado na foto da capa para prestar atenção ao que a garota falava. A foto era de um pobre garotinho morando nas ruas. Seu rosto estava sujo e ele tinha nuvens de tristeza em seus olhos. Papai ficou tão impressionado que nem pensou duas vezes antes de assinar a revista.
Evidentemente ele se arrependeu disso mais tarde, principalmente por não gostar de gastar dinheiro desse modo. Ele sempre diz que leva um escorpião em seu bolso, só para evitar enfiar sua mão ali. Estávamos em 1986 e seus pensamentos o sacudiam como um temporal que se aproxima.
Quando papai chegou em casa naquela noite, seus pensamentos estavam uma verdadeira confusão. Havia aquela espécie de fogo queimando dentro de seu peito, do tipo que você sente quando parece que alguma coisa vai acontecer. Ele leu o artigo na revista com o coração apertado. Todos os rostos daquelas criancinhas, como fantasmas caminhando pelas ruas, o tocaram. Algo precisava ser feito, mas o quê?
Mamãe, quer dizer, aquela que viria a ser minha segunda mãe, sentiu que havia algo de errado, mas não perguntou. Passou-se um ou dois dias até papai conversar com ela sobre adotar uma criança. Ela disse que sempre teve esse pensamento em seu coração. Com dois filhos naturais, um menino de quatro anos de idade como eu e uma menina de seis, eles não tinham planos para outros filhos naturais. Mas a idéia de salvar alguém da vida nas ruas foi algo que começou a mexer com seus corações.
Creio que o que mais tocou papai foi a percepção de que neste mundo existe rejeição. Talvez você não tenha sido rejeitado por seus pais, mas eu fui. Todavia, mesmo assim, mesmo que minha mãe e meu pai, a quem nunca conheci, tenham me rejeitado ou abandonado, o Senhor iria tomar conta de mim e o fator determinante nisso era Sua compaixão. Os novos papai e mamãe que Ele estava preparando para mim eram pessoas como você. Não havia nada de especial neles além do fato de que Deus estava trabalhando atrás dos bastidores. Ele Se compadece de Sua criação rejeitada; Ele tem pena de nós.
As pessoas deste mundo vivem curiosas com o que estará acontecendo conosco e mostram grande interesse nas notícias e nos boatos, alguns chegam a ser como vampiros assistindo TV em busca dos mais recentes sofrimentos e horrores, mas não se moverão em compaixão. Todavia... "quando meu pai e minha mãe me desampararem, o Senhor me recolherá" (Salmo 27:10). Isto é maravilhoso! O Amável cuida do que não é amado. E Ele cuidaria de mim, como cuidou de verdade!
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